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cronicas-->A Peruca da Falecida -- 13/12/2002 - 13:32 (Tiago Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Peruca da Falecida


Desde a quinta série, Marcinha tinha aulas de inglês com Dulce, uma senhora de seus cinquenta e poucos anos. Talvez cinquenta e muitos. Ela estava no cursinho, prestaria vestibular para Zootecnia em poucos meses, e a professora de inglês ainda era a mesma que lhe lecionou a matéria todos esses anos. Parecia perseguição. Até hoje não se sabe quem perseguia quem.

A turma do cursinho era grande, por volta de quatrocentos alunos. Uns quinze, destes quatrocentos, eram amigos de Marcinha, que planejara aprontar uma brincadeira com Dulce caso fosse aprovada no vestibular. O plano era tirar a suposta peruca da velha professora, que todos suspeitavam ser careca e que usava aquela coisa ruiva na cabeça para disfarçar a queda de cabelos. Ninguém sabia ao certo se aquela coisa vermelha era peruca ou cabelo mesmo, assim como ninguém tivera a ousadia de tentar saber a verdade, visto o semblante sempre fechado da professora. Chamaram Marcinha de louca quando ela revelou sua idéia.

Mesmo achando a idéia de Marcinha absurda, a turma concordou em ajudá-la no seu plano. Noites em claro foram necessárias para que ela pudesse bolar algo que não lhe traria muitos problemas. Chamou os amigos e revelou o que havia planejado: no dia da festa de comemoração dos alunos aprovados, o pessoal ficaria encarregado de distrair a professora enquanto Marcinha colocaria calmante em sua bebida. A dose seria cavalar. Quando Dulce dormisse, a peruca seria tirada e todos correriam dali, para não correr o risco de ser visto por alguns dos outros professores.

Os dias passaram até que chegara o dia do tão esperado vestibular. Os dias de estudo foram intensos e tudo que era comentado se relacionava com questões da prova ou com as aulas de véspera. Foram quatro dias de muita ansiedade. Nada se comentava sobre o plano de Marcinha. Pensava-se que tudo fora esquecido. Mesmo depois das provas, o assunto entre os amigos era o vestibular, como seria a vida de universitário e táticas para escapar dos famosos trotes dos veteranos. O plano da peruca apenas fora relembrado depois dos resultados divulgados numa tarde de sábado, na praça principal do campus universitário. Muitos dos amigos de Marcinha haviam passado. A preocupação agora resumia-se em tirar os falsos cabelos da velha Dulce, na festa que iria ocorrer em uma semana.

O Alvo de Marcinha era uma mulher independente, solitária e amante das línguas estrangeiras. Além do português, falava com fluência o alemão, espanhol, francês, japonês e inglês. Tinha dois filhos, de pais diferentes, mas nunca havia se casado. Seus filhos já eram crescidos. Um deles era engenheiro, com sucesso na carreira obtido através de muito esforço. Sempre que podia visitava sua mãe. O outro tinha sido vereador numa cidadezinha do interior de São Paulo. Estava preso por denúncias feitas por promotores num inquérito feito para apurar desvios de verba na construção de um hospício. Dulce dizia a todos que tinha apenas um filho. Morria de vergonha de dizer que havia um corrupto na família.

Dia de festa, todos se encontram no lugar de sempre, o bar do seu Tomás. Depois de tudo planejado, foram para a festa. Professores e alunos comemoravam as várias vagas preenchidas e mais um ano de sucesso do estabelecimento de ensino. No desenrolar da festa, todos se uniram em volta de Marcinha. O plano estava para ser executado. Uns dois ou três amigos, com o objetivo de enrolar Dulce e deixá-la distraída sentaram-se perto da professora e começaram a agradecer pelo ensino recebido. Aquela velha história de "se não fosse a senhora, nós não teríamos feito tantos pontos em inglês, a senhora ensina muito bem, blá blá blá, blá blá blá". Enquanto isso Marcinha "acalmava" a bebida de Dulce.

Todos ficaram olhando sua professora com espanto. Todos boquiabertos observando-a primeiramente, cambalear ao tentar se levantar e, depois de uma risadinha sem graça, recostar a cabeça na parede e dormir. Marcinha olhou para os lados, verificando se ninguém a notava, retirou a peruca e todos saíram disfarçadamente da festa.

Chegaram na casa de Marcinha, uns rindo feito loucos e outros dizendo "coitada, não devíamos ter feito isso". Marcinha colocou a peruca pendurada numa prateleira de seu armário, como se fosse um troféu. Depois que todo o pessoal resolveu ir embora, pois já era tarde da noite, foi dormir. No dia seguinte, recebeu um telefonema. Era o diretor do cursinho, convidando Marcinha para o velório de dona Dulce, que fora encontrada morta depois que a festa tinha acabado. No decorrer da festa, todos perguntavam se Dulce havia ido embora. Só notaram que aquele careca que estava dormindo encostado na parede era a velha professora depois de encerrada a festa. Todos achavam ser um aluno que, por ter passado no vestibular, havia raspado a cabeça.

No velório, Marcinha parou ao lado da falecida e fitou-a com olhos tristes. Retirou da bolsa a peruca de Dulce e colocou sobre seu tórax, dentro do caixão, tomando o cuidado para que ninguém notasse. Perguntou para outro professor a causa da morte de Dulce e ele lhe disse que ela havia exagerado na dose do calmante, ocasionando queda da pressão e morte. Por sorte de Marcinha, o calmante que Dulce tomava era o mesmo com que fora morta.
Desde aquele dia, quem toma calmante para dormir é a Marcinha, coitada...






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