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Cronicas-->MEMÓRIAS DE UM SÃO LEITOR -- 17/12/2002 - 02:52 (Marciano Lopes e Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MEMÓRIAS DE UM SÃO LEITOR
(ou "Uma tentativa de recompor velhas teias espanadas")

Marciano Lopes e Silva


Penso às vezes na minha querida D. Camila ao lembrar da sua beleza e das patuscadas que os seus amigos lhe faziam. Nesses momentos me dizia que há muitas coisas desagradáveis na vida, entre as quais estão aquelas que nos despertam para os anos vividos e para velhice que se aproxima inexorável.
Talvez ela tenha razão e se eu lhe retrucasse que os anos vividos trazem experiência, sabedoria e maturidade, provavelmente me devolveria um olhar entre irónico e zombeteiro e me diria que nada substitui a vitalidade da juventude e o tempo que nunca se fez verbo. Pois é, D. Camila, rugas, netos e cabelos brancos são terríveis inimigos da mulher, embora para nós, seres masculinos, isso seja de menos. Afinal, sempre há moças e senhoras que muito apreciam o charme de um cabelo grisalho e a confortante dureza de um olhar calejado. Mas há outros incidentes que abalam a serenidade, seja de um homem ou de uma mulher, pelo que tem de imprevisto ou de frequente.
Há tempos atrás, olhava com interesse e admiração uma moça sentada a minha frente num ónibus. Era loura, magra e alta - tipo Top Model. Quando fui descer, não me furtei à curiosidade de lhe ver o rosto e lancei um olhar 43. Que baque! Não sabia onde enfiá-la! (a minha cara! maliciosa leitora...). Não que meu olhar estivesse por demais ultrapassado, mas a bela moça ninguém mais era do que a prima de um amigo, linda menina que tantas vezes segurei em meus braços e sentei sobre as minhas pernas quando criança... Noutro dia, para meu desgosto, me chamaram de tio três vezes! Num dia só é demais, no final das contas eu não sou professor de primeiro grau - ópa! ensino fundamental...
Outro indício dos tempos acontece quando certas discussões, que aos jovens e utopistas empolgam, nos enfadam e nos atormentam com seu cheiro de bolor (e se você o sente, então o caso é sério!). "É a arte revolucionária?" "A cultura de massa vai acabar com ela e com todos nós?" "E a televisão e o vídeo? Vão acabar com o cinema e a literatura?" "Adultos devem ler best-sellers e histórias em quadrinhos?" "Deve-se tolerar a degeneração de uma obra-prima, transformada em linguagem de HQ?" Pra piorar, não fiz promessa pra São Luiz Durão, mas me encomendaram um memorial da minha vida de leitor. Eu e a Literatura. A Literatura e Eu. ?????????????? Memórias... memórias... além da minha ser fraca, me faz pensar em velhice, fim da vida, fechado pra balanço, livro póstumo... Ai!
Pus-me a pensar, mas como sou alérgico à poeira não foi fácil espanejar o pó e o mofo do meu sótão. Muito menos ligar as pontas dos fios de velhas teias literárias... Só depois de muitos espirros e lágrimas pude sentar-me perante o espelho e concluir com segurança e imparcialidade que sempre fui um leitor sadio e normal.
Quando bem criança, lembro, ainda que parcamente, eu lia as histórias de contos de fadas, de valentes cavaleiros muito cavalheiros e de seres maravilhosos em edições fantásticas, de capas duras e ricamente ilustradas e coloridas! O Gato de Botas, Cinderela, Branca de Neve, o Pequeno Polegar, o Soldadinho de Chumbo, Ivanhoé, Ali Babá e etc... Lia também as histórias de Walt Disney e da Turma da Mónica, que era a minha favorita (a primeira coelhinha sem pensar em sexo!). Depois vieram os heróis do mundo moderno: o Fantasma e o Homem-Aranha eram os meus preferidos, mas não posso lembrar sem saudade do seriado Batman e Robin que passava à tarde na TV, pois misturava com humor as linguagens do cinema e das histórias em quadrinhos. Lembro principalmente quando os dois escalavam as paredes dos edifícios (numa montagem comicamente explícita) e a Bat-Girl saía da parede do beco pilotando sua lambretinha... Do Fantasma, gostava por ser exótico; do Homem-Aranha, por ser marginal e paradoxalmente desprezado por sua timidez, ousadia e irreverência. Lia também os livros de bolso, aqueles com histórias de cowboys, gangsters, policiais e terror. Lembro de duas séries: Tex e Gisele, a espiã (que "alemoa"!, pensava). Depois veio uma literatura mais culta e classe média: sucessos de Sidney Sheldon, Harold Robbins, Irwing Wallace e Morris West. Ah! Como esquecer de Sherlock Holmes e principalmente de Agatha Christie (Allan Poe veio depois, que é leitura mais séria). Como não lembrar d´O caso dos dez negrinhos e da elegante argúcia do detetive Hercule Poirot?
Como ia dizendo, aos poucos cheguei na literatura "séria". Com quinze anos, creio, descobri na casa de uma prima a Revista do Círculo do Livro (garanto que maliciastes de novo...). Adorei - a revista - e por livre e espontànea vontade "sugeri" a minha mãe (que desde criança "alegrava" com insistentes pedidos para comprar revistas em quadrinhos) um apoio financeiro para que também me tornasse sócio do Círculo. Nessa mesma ocasião fiz o primeiro pedido: Vinte mil léguas submarinas. Depois, por três anos a cada trimestre, eu tinha a alegria de receber a revista e a aflição de ter que escolher um livro entre tantos e tantas seções: o recomendado do trimestre, best-sellers, ficção científica, literatura brasileira, juvenis, humor, divulgação científica e outras seções que não me lembro. Além da alegria de ganhar algum prêmio, quando conseguia um sócio novo ou juntava tantos selos por compra de livros, muito me instruí. Sem dúvida, foi através da leitura das inúmeras resenhas e dos poucos artigos de crítica ou entrevistas que tomei conhecimento da variedade de gêneros do universo literário e do conteúdo e importància de inúmeras obras, mesmo sem lê-las. E em nenhum momento a televisão e a cultura de massa me afastaram deste caminho de letras, muito pelo contrário. Os filmes que via na TV me despertavam a imaginação e me ilustravam de história, literatura e mitologia, entre outras coisas. Na época era comum narrativas de aventuras de heróis mitológicos - como Sansão e Hércules - e de romances romànticos como O conde de Monte Cristo, Os três mosqueteiros e A ilha do tesouro - que aliás viraram seriados de TV como desenhos animados.
Atualmente, a relação com a TV e o cinema ainda se mantém, embora com uma qualidade diversa. Graças ao filme A ostra e o vento, de Walter Lima Jr., fui sacado da minha "santa ignorància Batman!" e fiquei sabendo da existência do romance homónimo do escritor Moacir Lopes, o qual não era nenhuma novidade literária, visto que a obra foi editada pela primeira vez em 1964 (um ano antes de eu nascer). Ao lê-lo, descobri ser tão lindo quanto o filme, o que mais ainda me gratificou (pois normalmente considero os livros melhores que as suas adaptações para o cinema ou TV) e novamente soube quão delicioso pode ser mergulhar na literatura de ficção, posto que os anos de estudo e a prática de professor de literatura em muito contribuíram para o desgaste deste prazer.
Com a música não foi muito diferente. Através de Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Caetano e Gil, entre outros, cheguei à poesia. O incentivo da escola em que estudei a partir da 6a série até o fim do 2o grau (digo, ensino médio) contribuiu com dois concursos literários, mas a semente não estava nela. Onde? Não sei. São teias irrecuperáveis. No primeiro, em que alcancei o primeiro lugar, não tive mérito, mas o tema também era muito "quadrado": cantar o colégio. Iniciei o poema, mas como não conseguisse levar adiante tantas eloquentes e ufanosas redondilhas, uma amiga da minha irmã valeu-se da sua experiência poética e do seu amor pelo gauchismo para compor impecavelmente os versos e estrofes restantes (que foram muitos!). No segundo foi diferente. O segundo lugar foi mais saboroso, pois compus o poema sozinho (a temática era livre). Não ficou nenhuma obra-prima, é claro, mas foi um sincero e romàntico poema em versos livres cujo tema era o protesto à opressão e à miséria. Valeu-me de prêmio vários livros, mas o que mais me tocou entre eles foi a antologia de Manuel Bandeira, meu querido poeta que desde então trago comigo. Assim como o velho Chico, que tantas vezes carreguei para a Lancheria, Bar e Café Universitário do Nelson (onde, pra contrariar, só dava velho aposentado e alguns dinossauros do curso de Oceanologia, que eu então empurrava com a barriga paralelamente ao de Letras). Lá, pedia uma cerveja ou uma cachacinha com mel, uma porção de calabresa ou linguiça, pegava a caneta e punha-me a destrinchar os versos das canções de Chico Buarque, realizando deliciosas análises (diria melhor se falasse "viagens") que me renderam "lucros" posteriores e inesperados: um trabalho para a disciplina de Teoria Literária na graduação em Letras (que depois foi reescrito para uma disciplina do mestrado, ganhando "A" e "parabéns" da professora!) e um minicurso intitulado A poética de Chico Buarque.
Mas nem todas as paixões se explicam de modo fácil. Assim foi com Albert Camus, cuja obra O estrangeiro eu li com 16 anos, creio. Não sei como a descobri nas prateleiras da biblioteca do clube onde era sócio-atleta (praticava atletismo e jogava xadrez pela SOGIPA) e nem porque a retirei para ler. Mas foi impactante. Depois de sua leitura eu sabia que não mais seria o mesmo. E assim foi.
Hoje, como já disse, não tenho tanto prazer e tantas descobertas "essenciais" no trato com a literatura. Talvez devido à preocupação com tantas teorias a estudar; talvez devido à "análise, que estraga a primavera com a anatomia das flores", conforme já escreveu Raul Pompéia, comprimido por seu temperamento romàntico, de um lado, e a necessidade da técnica que o mundo científico e sério da época exigia, por outro. Mas talvez os anos adquiridos não sejam tão pesados e a velhice tão inócua e cruel, minha cara D. Camila. E se os romànticos estiverem certos (de que ela é uma segunda infància), eu poderei retornar a tantas leituras não feitas e não "sérias" sem compromisso com a qualidade total e sem a preocupação com as línguas alheias, em especial a dos puristas, zelosos zeladores da língua.


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