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Contos-->12. O AVIADOR -- 26/03/2003 - 07:09 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Aposentado, Lupércio voltou seus interesses para a descoberta da religião que representasse a verdade. Poderia começar por qualquer uma, contudo, por influência dos irmãos, foi primeiro a um centro espírita sob a égide de Allan Kardec.

Cientificado de que tinha de estudar nos livros para entender o sentido das atividades que ali se produziam, buscou ler as obras básicas o mais rápido que podia. Tinha tempo; fizesse-o logo, pois.

Realmente, pôs-se a devorar página a página “O Livro dos Espíritos”, atento para as definições, hipóteses e conclusões do Codificador. Antes, porém, de terminar, foi convocado para festiva reunião em que se comemorava o qüinquagésimo aniversário da instituição.

Lá foi Lupércio ciceroneado pelos irmãos, cheio de curiosidade, anotando mentalmente todas as inúmeras dúvidas que lhe surgiam de momento a momento. A principal dizia respeito à manifestação do patrono da casa, quando, através da mediunidade de um dos presentes, teceu elogios aos membros da diretoria, aos seareiros gratuitos daquela obra de caridade, estendendo os votos de progresso espiritual a todos os presentes, cuja harmonia fluídica facultava aos do plano da espiritualidade orientar de forma tão veemente o livre-arbítrio de cada um para o trabalho compensador do auxílio aos necessitados.

Josival, um dos irmãos, foi quem solicitou que Lupércio definisse exatamente o que não lhe parecera ainda correto na prática do espiritismo:

— Veja se você consegue caracterizar o ponto a ser esclarecido.

Lupércio franziu o cenho e observou:

— Em primeiro lugar, não quero que vocês vejam nenhuma restrição da minha parte aos belos termos em que foi vazado o discurso do protetor. O que eu desejo saber é se não existe nada mais importante para um espírito desencarnado há mais de cinqüenta anos fazer. Pela lei da evolução ou do progresso, que li em Kardec, deveria o tal guia estar agora em planeta mais adiantado que a Terra, em lugar de ficar assistindo ao regozijo de pessoas que estão totalmente compenetradas dos benefícios que praticam. Em suma, não era mais lógico que aquele que doou seu nome ao centro enviasse alguém cujo grau de adiantamento se equivalesse, mais ou menos, aos dos melhores dentre os encarnados?

Esperariam os interlocutores encontrar questão que aproveitasse tão precisamente o texto da obra? Em todo o caso, Sereno, o outro irmão, empenhou-se em dar uma resposta à altura:

— Notou você algum pensamento de extraordinária complexidade na fala da personagem espiritual? Não responda. Pois eu não senti nada de especial ou espetacular. Apenas consegui perceber que a entidade incorpórea incentivou a todos a prosseguir ajudando aos carentes. Isto não quer significar, necessariamente, que fosse o próprio protetor que estivesse presente, pois poderia estar representado por um enviado com a atribuição específica de dizer o que ele mesmo diria, mas de modo que todos os presentes entendessem. É preciso considerar que a hierarquia no campo espírita é sempre respeitada, o que provoca situações, às vezes, um tanto ou quanto ilógicas ou estranhas. De qualquer modo, como você não está criticando, devo deixar claro que os que se acostumam com este tipo de mensageiro sabem que o valor está nas palavras e nos pensamentos e não no nome com que se apresenta o comunicador. Se dissesse que se tratava de Kardec ou de Jesus, ficaria este ponto de vista ainda mais claro, porque era preciso analisar a mensagem em si, sabendo que tão luminosos espíritos possuem tantas atribuições importantes que seria incompreensível que gastassem seu tempo em festinhas de aniversário de centro espírita. Você não concorda comigo que houve forte comoção na platéia traduzida no silêncio com que se ouviu a peroração e na ênfase que foi dada à prece de encerramento? Não notou, meu caro irmão aviador, como estavam alegres as pessoas durante os comes e bebes que se seguiram à solenidade?

Lupércio aproveitou o gancho para comentar:

— Quero crer que o pessoal da diretoria é que pagou a conta. Caso contrário, deveríamos contribuir também para as reuniões festivas...

Josival não permitiu que avançasse:

— Ocorre que estou bem a par da origem dos recursos. Primeiro, os comerciantes forneceram sem cobrar as bebidas. Quanto às comidas, cada membro da diretoria confeccionou em casa um prato, totalmente sem ônus para o centro. Os enfeites, as flores, os copos e talheres de plástico vieram da casa do presidente. Amanhã ou depois de amanhã, estará afixado no quadro de avisos um balancete completo das despesas. Foi bom você ter tocado no assunto, porque muitos levam a suspeita do desperdício para casa, julgando de forma totalmente errônea que nós nos locupletamos com tais aplicações das verbas. Não sei se você se lembra, mas as nossas formaturas sempre redundaram em lucro para os professores e diretores. Não estou lamentando que eles se aproveitem dessas circunstâncias; estou apenas assinalando que sempre existem os que incentivam as turmas de formandos para que arrecadem... Você entendeu.

Em verdade, o piloto já divagava em busca de outro tema. Após alguns instantes, perguntou:

— Eu não senti nenhum estremecimento, nenhum arrepio na espinha... Vou dizer tudo: Eu não percebi a aproximação de nenhum espírito. Quer dizer que não tenho o dom da mediunidade?

Desta vez coube a Sereno colocar as coisas no lugar:

— Você está lendo o primeiro livro espírita, onde se encontra até a explicação, logo no início, de quais são as questões polêmicas e de como refutá-las. Então, fique sabendo, essa edição de “O Livro dos Espíritos” não foi aquela que saiu a público em primeiro lugar. Também “O Livro dos Médiuns” e “O Evangelho Segundo o Espiritismo” não constituem a primeira versão da obra. As três foram reescritas, tendo sido mudadas de forma bastante ampla e profunda, inclusive quanto aos títulos. O que estou querendo dizer-lhe é que o Espiritismo como ciência, como exercício e como auxiliar poderoso para a melhoria moral precisou da reflexão séria de um sábio. Ou você acha que Kardec, aliás Denizard Hippolyte-Léon Rivail, sempre esteve inteiramente satisfeito com as obras que elaborava?...

— Eu só perguntei se tenho ou não o dom da mediunidade.

— Todos os homens e mulheres possuem a faculdade de entrar em contato com o mundo espiritual. Contudo, para alguns, os fenômenos espíritas surgem de forma espontânea, quase necessária. Para outros, vêm de muito estudo e empenho na prática da concentração. Há quem jamais o consiga, muito embora fique a meditar honestamente sobre os quesitos pessoais a serem desenvolvidos para tanto. Lá no centro, existem muitos companheiros bem antigos que se conformam em trabalhar longe da mesa da desobsessão. No seu caso, você deve continuar lendo e observando as coisas que acontecem no centro.

— E devo esclarecer minhas dúvidas com vocês...

Josival foi quem pôs fim à conversa:

— Normalmente, depois das atividades no centro, nós vamos jantar em algum restaurante ou pizzaria. Como hoje já comemos, vamos deixar você em casa.

E assim fizeram.

Se não tivessem interrompido o comandante, talvez dele ouvissem outra manifestação de dúvida, esta muito mais emocionada e sensível:

“Se estou agora buscando a verdade da continuação existencial após a morte e estou achando que ‘sem caridade não existe salvação’, como ouvi da entidade que se comunicou, como será considerada a minha atuação na qualidade de aviador? Terei o privilégio de ter tido uma profissão naturalmente adaptada a tal máxima?”

Era o que iria descobrir dois anos depois, após leitura completa das obras básicas de Allan Kardec.

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