Usina de Letras
Usina de Letras
132 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62186 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50587)

Humor (20028)

Infantil (5426)

Infanto Juvenil (4759)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Com uma verruga na memória -- 17/12/2002 - 15:52 (Javier Martínez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sentei para escrever hoje porque não sei o que acontecerá amanhã. Embora seja trivial a primeira oração vocês entenderão o porquê desta declaração. Quando criança tinha um pequeno problema, nunca soube aceitar muitas das coisas que via ou ouvia na escola. Meus colegas tinham me deixado um pouco afastado das atividades, porque eu sempre as analisava veementemente para encontrar um porém ou algum defeito. A adolescência foi um sortilégio escondido nas asas de uma borboleta. Passava os dias como um bêbado sem atingir o céu nem pousar na terra. Descobri a realidade e acabei com a depressão, de tanta depressão que havia acumulado. Mas, a cronologia faz de mim um pedaço de vergonha mal aproveitada. Estava falando em criança e pulei à adolescência. Esqueci mais uma vez da organização dos fatos e um leitor odiaria esses devaneios tortos de um péssimo redator que reconheço, eu sou. Bem, uma vez consultei um profissional, não lembro de qual especialidade, mas tinha a ver com a cabeça. Minha mãe deve saber. Não tem importància se era neurologista ou psicólogo, detectaram uma disritmia. O doutor comentou que não era grave e comecei a tomar um comprimido chamado de Logical 400, mas o que eu tinha na verdade era uma verruga no cérebro. Eu sabia disso melhor do que ninguém, porque cada vez que acontecia alguma coisa espantosa, eu a apagava da memória num piscar de olhos. Lembro que a minha mãe comentava dos fatos horríveis que tinham acontecido poucos dias atrás e eu dizia que não lembrava. Bom, de alguma coisa lembro, lembro que não lembrava e isto é um fato positivo. De qualquer forma esse Logical 400 não estava adiantando muito, minha vida parecia ser perfeita, se tinha um fato negativo eu o apagava da minha memória e o que fosse positivo o acarretaria até a seguinte depressão. Quando me deparei com a realidade humana de forma fria comecei a sentir a dor da verruga. Estava pronto para a vida, sobrevivi a adolescência e tinha muita clareza nas minhas colocações. Alguns pensavam que eu era inteligente, mas não sabiam que eu esquecia de tudo e não adiantava ter feito cursos e especializações se depois de um mês ou dois apareceria a maldita verruga para complicar, mais ainda, meu raciocínio estuprado. Nunca tive muito dinheiro, sei que devo ter tirado de algum lugar para conseguir comprar uma casa longe da cidade e morar com o som da natureza. Meu caro leitor, devo solicitar sua compreensão porque não lembro como consegui comprar minha casa. Ela é simples e deve ter custado dinheiro. Posso deduzir que não foi adquirida de forma legítima, senão, estaria gravado na minha memória. O problema começou a se tornar crítico, do ponto de vista egocêntrico, já que defino crítico como próprio e sem paràmetro referencial, quando a verruga começou a crescer dentro da cabeça. A cada dia ia me tornando mais vazio e branco. Se ligava a TV, era tão violento o decorrer de uma novela que no dia seguinte não sabia que era o que tinha visto. O mais violento passava pelo rádio. Quando a música veiculada conseguia atravessar minhas papilas sonoras, não só não achava o gosto de ouvir, como também não achava os registros antigos da boa música e essa violência imposta pelas emissoras me condenaram a deixar de morar na cidade. Não lembro ainda como cheguei aqui. Uma coisa que guardo, com muito cuidado, é um caderno que tenho começado a escrever quando criança, quando preciso lembrar da cidade, o leio. Quando preciso lembrar da minha mãe, vejo uma foto que colei na segunda página. O caderno está em um lugar visível da varanda e tenho colado folhas de papel em vários cantos da casa com instruções para achar o caderno e como agir quando alguém aparecer na porta de casa. Tenho um aparelho de TV que trouxe para apreciar a carcaça do passado. Guardo com nostalgia o esqueleto de um rádio antigo que achei numa casa abandonada para lembrar algumas coisas que me faziam bem antes daquele surto de violência urbana e aquele mórbido gosto pelo que não presta. Não lembro o meu rosto, ele está coberto por barbas e cabelos. Há muito tempo não experimento o prazer da escrita. Preciso escrever para que quando o meu cérebro me vire as costas eu possa lembrar que existo e o quê me levou à minha reclusão. O caderno me ajuda a passar os dias insípidos e o convívio com o isolamento me mantém vivo. Tão vivo que não tenho notado a verruga na minha memória há algum tempo. Estou tão tranquilo que não ouço o barulho de um motor desde que mudei para aqui. E talvez seja a minha recompensa, porque não lembro como cheguei aqui. Não sei como sair.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui