Acho que foi em novembro que passei por lá. Ouvi um canto de pássaros na calçada florida, logo ali no bairro Embratel. Não era muito arrumada. Mas algumas flores se espalhavam no meio de pedras e cimento, do tipo sem acabamento.
O som estava indicando a existência de aves canoras no quintal, provavelmente atrás da casa, protegida por grades contra os intrusos e bisbilhoteiros.
Os poucos carros que transitavam pela rua atrapalhavam a sinfonia dos pássaros, mas se destacava o canto de um curió.
Sem ter o que fazer, fiquei apreciando o canto, até que de longe fui interpelado pela senhora, anciã perturbada pela minha presença.
Tinha me visto pela cortina branca e fina que protegia sua vidraça.
Perguntou o que fazia por ali. Expliquei a questão do canto e ela me convidou para conhecer seus pássaros.
Apenas seis. Todos curiós. Gaiolas alinhadas na parede, intercaladas com vasos suspensos de flores.
Ela explicou que as flores é que davam o tempero para a musicalidade das aves. Um segredo que aprendeu com sua vó, uma lusitana que chegou cedo ao Brasil e aprendeu o segredo da vida natural.
Questionei as gaiolas. Respondeu que elas serviam apenas para manter a liberdade dos pássaros, longe dos predadores, e que de tempos em tempos soltava um deles. Chegara a ter mais de cinquenta.
Quanto mais velha ficava, menos pássaros guardava, mesmo por que não tinha ninguém para ajudá-la a cuidar dos bichos.
Além dos pássaros gostava de orquídeas e miosótis. Achava que estas flores tinham poderes mágicos.
As flores da rua não tinham muita importància. Por isso deixava que as pedras as protegessem.
No quintal estava tudo arrumado. Falava com as flores. Amava os miosótis. Dizia manter contato com as almas das flores.
A senhora providenciou um café e ficou contando histórias de Porto Velho, falando de filhos, do falecido, dos netos que mudaram de cidade, das transformações.
Só lhe restaram os curiós e as flores. Enquanto conversava chamou uma das flores pelo nome de Helena.
Disse que era a predileta. Helena sugeriu que soltasse um dos pássaros.
Abriu a portinhola e deixou o curió partir, sumindo na direção do sol.
Sorriu para a flor. Depois me acompanhou até o portão e recomendou que escrevesse sobre nosso encontro.