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Contos-->COR DE ROSA E BLUES -- 27/08/2000 - 13:20 (LEE ANDERSON) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Conto publicado originalmente no fanzine eletrônico
ASTRONAUTA DE VINIL #X.1
<< astronautadevinil@zipmail.com.br >>


[[ COr De ROSa & BLUEs]]


Deixou que o telefone tocasse algumas vezes antes de atendê-lo, mesmo que já tivesse a mão pendendo sobre o aparelho. Limpou a boca com as costas dos dedos, abriu um leve sorriso. Curvou-se sobre a mesa, a voz aguda do outro lado da linha lançando alôs frenéticos. Fechou os olhos esboçando figuras na memória, depois inspirou fundo, cheiro de gozos mornos estendendo-se pela pele. E só então respondeu àquela que imaginava de olhos azuis e pequenos seios.

- Sim?
- Até que enfim. Pensei que você não ia atender mais.
- Eu estava dormindo.
- Eu também queria estar, mas não consigo.
- Quem é?
- Lana. Você é o Max?
- Depende. Porquê?
- Me pediram pra te ligar.
- Te pediram? Quem?
- Uma amiga sua.
- Uma amiga? Que amiga, exatamente?
- Isso não importa. Uma amiga sua me pediu pra te ligar, só isso.
- E porque ela pediu isso, Ana?
- Lana.
- Hein?
- Lana. Meu nome não é Ana, é Lana.

Durante o silêncio que se seguiu, percebeu que ela acendia um cigarro. Então catou seu maço sobre a mesa, mas estava vazio. Jogou-se contra o encosto da cadeira e praguejou.

- Merda!, tô sem cigarros.
- Eu ainda tenho alguns. Você quer?
- E como eu faria para pegá-los?
- Você os busca aqui.
- Onde você está?
- Perto. Bem perto de você.
- Tipo?
- Você vai descobrir.
- Vou?
- Vai. Logo, logo você vai descobrir.

Ele aproximou as pernas do colo, abraçou-as. Ela continuou.

- Você vai descobrir. Tem o ascendente em touro, eu sei.
- E você?
- O quê?
- Você tem os olhos azuis?
- Você acha que eu tenho?
- Talvez.
- E você gosta?
- Às vezes.
- Agora?
- Não sei bem.
- Talvez eu tenha. Azuis.
- E os seios pequenos.
- Sim, pequenos.

Ouviu ela soprando a fumaça, imaginou círculos quase perfeitos indo contra o teto. Abriu a gaveta e capturou o frasco de vidro entre os documentos, catou alguns comprimidos e engoliu-os em uma só vez, bolinhas azuis rasgando garganta abaixo, como os olhos de Lana.

- Mas quase nunca ficam duros.
- O quê?
- Os bicos dos meus seios.
- Se você estivesse aqui, talvez.
- Ou talvez você não conseguisse.
- Sim, talvez.
- Daí eu ficaria puta contigo.
- Eu também. Mas talvez eu conseguisse.
- Não sei bem. Não sinto nada, já faz tempo.
- Às vezes eu sinto. Mas nunca entendo.
- Sentir é bom.
- Sem entender, não muito.

Derepente o tom da voz dela pareceu-lhe mais grave. Pela janela ele fitou o pequeno vão de céu entre os edifícios.

- Eu pensei em te ligar ontem, mas só agora tive tempo.
- A gente já não tem tempo pra mais nada. Nenhum de nós tem.
- Mas nós temos uma coisa. Você sabe que agora a gente tem alguma coisa, não sabe?
- Eu sei. Mas é muito baça, ainda.
- Na verdade, tudo o que se tem é baço. Aqui ou em qualquer outro tempo, sempre é baço.
- Mas se você está perto, porque não vem até aqui?
- Não posso. Daí a gente acabaria perdendo essa coisa que a gente tem agora.
- Mas do que ela importa sem todo o resto.
- Eu ainda não sei. Mas acho que não vale a pena arriscar.
- É. Talvez não.

Por alguns minutos ficaram em silêncio, ambos esperando algum gesto indefinido, até que ela quebrou as últimas formalidades.

- Você tá me ouvindo?
- Tô.
- Te liguei só pra dizer que eu não sou mais a Lana.
- Tudo bem. Eu nunca fui o Max. Mas pra mim não importa. Eu sei quem te pediu pra me telefonar.
- Pra mim também não importa, porque eu sempre soube que você acabaria descobrindo, mesmo.
- E eu também sei onde você está. Mas é longe demais pra mim. Eu queria que você estivesse aqui.
- Eu também queria estar aí. Mas cortei os pulsos. Não vai ter tempo pra gente. Além do mais, o sangue me enoja, quando não me excita.
- Eu tomei uns comprimidos. Uns que eu encontrei. Vou ter algum tempo, ainda. Nunca me excito com o sangue. Prefiro o cor-de-rosa. Vamos, me diga: Qual a cor dos teus olhos?
- Azuis. Às vezes. Hoje não. Mas tenho os seios pequenos. Amanhã, talvez. Quem sabe?
- Amanhã já estaremos longe, um do outro.
- Mas talvez tudo dê errado. Então você me liga.
- Te ligo. Você vai estar me esperando?
- Eu sempre estive. Você sabe que eu sempre estive. Eu sempre estive te esperando porque eu te amo.

Depois do breve silêncio, desligou o telefone antes que ela desligasse. Depois engoliu os últimos comprimidos do frasco, abraçou as pernas ainda mais forte e sorriu. Enquanto o sol se punha, ele cantarolava velhos blues como se aquilo fosse tudo o que pudesse fazer.


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