Chovia. Tudo estava em repouso, calmo. A vida era germinada em silêncio, sutilmente.
Ele caminhava manso, com segurança. Havia uma altivez em seu porte. Entre os homens era o que mais demonstrava certeza. Estava convicto do seu estado. Tudo o que podia acontecer agora, inevitavelmente, era progredir.
Ele andava como, em cada passo, progredisse. Tinha, portanto, prazer em caminhar. O quanto já havia andado na vida? Não conseguia se recordar da extensão. Seu prazer, em caminhar, era tamanho que não via aquilo como um espaço a ser vencido, percorrido.
Na chuva ou no sol ele sempre estava ali na estrada. O olhar sempre à frente. Para ele, o passado não existia. Era só o presente, de estar ali, e o futuro que sempre se abria à sua frente.
Era verdadeiramente um homem de perspectiva. Assim, estava sempre feliz e sorridente. Às vezes, é certo, haviam pedras em seu caminho, mas ele sabia que elas ficariam para trás.
Às vezes, até sorria quando levava um tropeção. Tinha se adiantado mais.
Agora, com a chuva, estava se sentindo mais calmo do que o normal. Estava feliz, satisfeito. Sentia que tinha vivido plenamente.
Para ele, não eram os fatos que contavam. Ele mesmo não tinha uma história. Nunca viveu uma aventura. Nem mesmo, quando criança, tinha brigado com os colegas de escola. Não havia nada, em sua vida, para contar.
Entretanto, viveu plenamente. Para ele, viver era sentir a vida e, isto, sempre sentiu. Assim, não tinha inveja de ninguém. Aliás, nem sabia o que significava inveja.
Nunca disputou mulheres, jogos, empregos ou opiniões. Vivia a maior parte do tempo calado. Porém, sua mente era brilhante. Tinha uma lucidez e uma sabedoria admiráveis.
O seu enterro foi no dia seguinte. Ainda chovia. Todos lamentavam a vida que ele tinha levado e não conseguiam entender aquele riso estampado em seu rosto.
Afinal, desde que nasceu, nunca pôde andar com os seus próprios pés. Na verdade, nunca pôde andar realmente. Nasceu paraplégico, porém, tinha uma imaginação fabulosa. Entretanto, foi um exemplo de alegria e bom senso.
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