O nosso recém-presidente Lula acertou em escolher Gilberto Gil para o ministério da Cultura. Homem politizado sem ser político, Gil é um artista popular (no que tange à sua música), eclético, culto, conhecedor do caos que enfrenta o país neste campo valoroso e um grande expoente brasileiro para o exterior já que é conhecido e respeitado internacionalmente.
Na sua primeira entrevista foi sensato e teve os pés no chão. Sabendo que seu ministério dispõe de uma das menores fatias do orçamento brasileiro disse que da mesma forma que os pobres conseguem sobreviver com pouco ele o fará. É um desafio bárbaro que ele saberá contornar.
Porém, algo muito deselegante foi a reclamação de salário. "Míseros" oito mil reais por mês para ocupar a pasta fizeram com que o músico negociasse a possibilidade de fazer shows enquanto ministro. Gil ganha 50 mil reais por apresentação e fará vinte cinco apresentações por ano. Se for ministro até o fim dos quatro anos de Lula fará cem shows e ganhará um bom dinheiro que reforçará sua poupança que segundo ele, Gil, é insuficiente para viver com oito mil reais mensais apenas.
É estranho que numa entrevista Gil fale de fazer como os pobres, mas não aceite o "salário-mínimo" dos ministros precisando fazer bicos. Lógico que um artista como Gilberto Gil não poderia, só por ser ministro, deixar de fazer shows. É sua profissão e além de ser responsável pelos rumos da cultura do País tem uma legião de fãs - entre os quais está este que vos escreve - sedentos por curti-lo saracoteando nos palcos. Entretanto deve-se considerar que um artista como Gilberto Gil não vive só dos shows. Com seus trinta anos de carreira e dezenas de discos, não vai faltar gente no Brasil e lá fora que compre suas obras e graças aos direitos autorais - dos quais Gil é um árduo defensor - sua conta bancária não vai sofrer nenhum desfalque grave.
Gilberto Gil com esse salário poderá ter uma vida saudável em Brasília, poderá viajar para onde quiser (tanto à s suas custas quanto à s custas do Estado que paga as viagens dos ministros), poderá jantar em bons restaurantes e passar vários domingos no parque sem que qualquer confusão o atrapalhe.
Muito pior é a situação dos pobres, aos quais Gil se referiu em sua entrevista, que ganham, também, cerca de oito mil reais (na soma do quadriênio de sua gestão enquanto ministro) e não vendem discos nem fazem shows e, raramente, tem a possibilidade de, como Gilberto Gil, negociar o que fazer para ganhar mais. Se negociam quase sempre saem perdendo.
A escolha de Gilberto Gil, enfim, foi acertada. Outros nomes poderiam ser igualmente escolhidos. Há um leque imenso para esta pasta tantos são as pessoas cultas e aptas para tal função, escritores, professores, músicos, artistas, conhecedores da cultura brasileira em geral. Mas seria mais correto e menos constrangedor - tanto para a política quanto para a sociedade - que questões salariais não atrapalhassem. Ser ministro de qualquer pasta no governo de um país é uma honra para poucas pessoas e a grandeza de tal cargo não deve ser questionado por dinheiro algum, ainda mais por um homem culto, inteligente e talentoso como Gilberto Gil, uma das cabeças brilhantes que a ditadura militar não destruiu.