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Contos-->O caso da concorrência -- 03/04/2003 - 16:53 (Osmar Malheiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era uma segunda-feira de manhã tranquila, e ao contrário de muita gente, as manhãs de segundas-feiras nunca me incomodaram
e nunca fiz corpo mole para o trabalho nesses dias. Talvez eu não possa falar a mesma coisa do resto da semana, mas segunda,
ao meu entender é um bom dia para trabalhar. Estava no ponto de ônibus localizado no começo da Av. Brigadeiro Luiz Antonio
e enquanto esperava lia um livro, por sinal, leitura técnica, coisa que está me deixando sem graça, pois não tem contribuído
muito para meus valores pessoais e estou vendo esse tipo de leitura como um verdadeiro mal necessário, uma obrigação da minha
profissão.
Como profissional de informática, infelizmente tenho que estar atento a todas as novidades da área para poder ter sempre uma
resposta no mínimo razoável sobre assuntos que serão expostos a mim pelos meus superiores e se não por isso, pelo menos para me
firmar no mercado, pois a concorrência por uma vaga de trabalho está se tornando coisa traumática. E assim o ônibus chegou.
Entrei e passei pela "catraca" após pagar a passagem. Mal passei, um homem me entregou dois chocolates para que
eu comprasse (vamos chamar esse homem de: Chocolateiro ) e na catraca estava um outro homem alto, careca, de mais ou menos
40 anos com as roupas sujas e trazia um envolope amarelo enrolado na mão (vamos chamar esse aí de "Careca") pedindo ao
cobrador para passar por baixo da catraca, coisa que o cobrador não se opôs e aí começou a minha meditação.
É degradante ver um homem se arrastar no chão, se arrastar mesmo, pois a catraca tinha uma barreira que ia até até perto do
assoalho obrigando quem quisesse passar por ali a se arrastar feito cobra. Olhando de uma forma poética, parece que esse tipo de
catraca foi feito sob duas óticas: Passe de pé e serás digno, se não for digno, rasteje.
O "Careca", após rastejar-se, sentou logo no primeiro banco após o cobrador e nesse instante o "Chocolateiro" fazia seu discurso:
- "Pessoal! Desculpa ta atrapalhando a viagem de vocês. Sei que todo mundo aqui é pessoa de bem e trabalhadera e é por
causa disso que eu tô vendendo esses chocolates pra ajudar minha família. Esse chocolate que ta na mão de vocês é um novo
chocolate que tá sendo vendido a R$ 1,00 e até a R$ 1,50 nos supermercado e nas dograria e eu to vendendo 3 por R$ 1,00 e
aceito passe, vale-refeição ou qualquer ajuda que vocês todos puder me dar".
Não comprei, o discurso não me convenceu e assim como eu, outros tantos também não compraram, entregrando
silenciosamente os chocolates a medida que o "Chocolateiro" passava.
O "Careca" que virado para trás, observava o "Chocolateiro" terminando de recolher o seu produto no fim do ônibus,
começou, ainda sentado, num tom grave e baixo, um outro discurso:
- "Gente, é duro o que vou contar pra vocês, mas eu sou aidético, estou precisando de ajuda. Se alguém puder me ajudar
eu agradeço muito pois estou precisando. Os remédios que eu preciso comprar são muito caros, o governo não me ajuda e eu
perdi tudo o que tinha tentando me tratar.Meus familiares assim que souberam..."
Enquanto isso, lá na catraca, um outro homem barbudo (vamos chamar esse aí de "Barbudo") já combinava com o cobrador o
seu quinhão de humilhação e após breve conversa, deitou no assoalho e começou a rastejar-se por baixo da catraca. Pelo
jeito esse também não era digno.Mas vamos voltar ao discurso do "Careca".
-"...da minha doença me abandonaram e não querem me ver. Eu estou sozinho e conto com a ajuda de quem puder, pois a vida
não está fácil gente, eu estou pedindo..."
- "Pessoal, eu to sem emprego e prum pai da família é muito duro estar fazendo isso, mas como todo mundo deve..." - era
o "Barbudo" passando a vez do "Careca" e ali, lado a lado, ficaram os dois contando suas histórias:
- "...qualquer tipo de ajuda em dinheiro, passe ou alimento e se algum..." - dizia o "Careca" - "...saber a vida aí fora
tá terrível pra quem quer trabalhar, hoje eu saí de casa e não comi nada..." - falava o "Barbudo" - "...de vocês puder me
ajudar eu ficaria muito agradecido..." - Disse o "Careca" aumentando a voz
- "...e to com muita fome e nem um pedaço de pão eu posso comprar..." - Concorria o "Barbudo" tentando falar mais alto
que o "Careca".
Nâo sei se por desespero maior ou uma tentativa diferente de abordagem, o "Barbudo", vendo o concorrente ao seu lado, partiu
para a campanha corpo a corpo e começou a ir de banco em banco com a mão estendida pedindo uma ajuda, qualquer que fosse.
O "Careca", depois de perceber que não conseguiria concorrer à altura, acabou por sentar-se num banco um tanto desapontado
vendo seu público ser abordado por um concorrente tão feroz. Ficou observando e enquanto isso, o "Barbudo" em seu embate, seguia:
- "Então amigo, me dá uma ajudinha aí! Qualquer coisa tá bom." - E foi passando de banco em banco sem resultado algum, talvez
até mesmo por alguma praga rogada pelo "Careca" que observava os movimentos de seu adversário com extrema atenção.
Chegando no fim do ônibus, o "Barbudo" deu sinal para descer. Tinha o rosto imparcial frente a dificuldade de não ter ganho
nada naquele ônibus. Acredito que essa imparcialidade de gestos deva ser consequência do desgaste de todos os dias pedir e quase
nunca conseguir, acredito que com o passar do tempo, o pedinte acaba tornando-se um profissional, não sente mais constrangimento,
ignora o conceito de dignidade em prol da sobrevivência e nós, aqueles que estão do outro lado, passamos a olhar essa massa crescente
com desconfiança,exercendo um pré-julgamento do pedinte as vezes a favor dele, outra vezes contra. Ora indagamos se o texto ali
colocado é verdade mesmo, ora nem discutimos o valor da desgraça aceitando prontamente a mensagem sendo passada.
O "Barbudo" desceu e quase instantaneamente levantou-se o "Careca" e recomeçou:
- "Bem, pessoal, como eu estava falando agora pouco, se alguém puder me ajudar eu ficaria muito agradecido!" - e esperou que
alguém se manisfestasse não tendo sucesso como o seu concorrente. Aquele dia, pelo que parece, seria difícil. Mudo, foi passando
de banco em banco, olhando para as pessoas, mas diferentemente do concorrente, não pedia, apenas olhava. Era seu estilo mas
que também não surtira nenhum efeito nos passageiros. Deu sinal e num ponto próximo desceu.
Fiquei observando-o da janela e ele já dava sinal para outro ônibus, na sua labuta diária de conseguir seu sustento. Possívelmente,
correndo o risco de encontrar concorrentes e outros mistérios que só uma viagem de ônibus pode proporcionar.
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