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Contos-->Os sapatos -- 09/04/2003 - 10:11 (Hideraldo Montenegro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nos anos em que o homem vive recostado em seus pensamentos, veio-me uma lembrança curiosa.
O fato recordado não teve nenhuma importância em minha história particular e, muito menos, na História Universal.
Talvez o devêssemos classificar como vulgar, banal. Entretanto, mesmo não mudando o curso de nada, marcou a minha mente observadora.
De fato, o acontecimento lembrado, talvez se enquadrasse mais como uma mera fofoca se não fosse um detalhe. Ele se revestiu com um peso poético cômico como o humor chapliano.
Ele não teve uma conclusão moral que, aparentemente devesse a nossa mais profunda reflexão e, assim, alterasse a nossa visão do mundo, mas forçou-nos a ela.
O que valeu nele foi sua força surda, que calou em nosso peito alguma coisa indefinida, mas que merecia a nossa atenção.
No velório de um parente, uma senhora, próxima à família, toda vestida de preto, adentrou na sala onde se encontrava o corpo do falecido e toda atenção dos presentes se voltou para os seus sapatos.
Os sapatos que ela calçava eram feitos de tricô e possuíam sapatilhas formato bico fino e com um pequeno salto. Os sapatos lembravam uma bota de bruxas, dessas que a gente vê em desenhos. Eles não causaram, nos presentes, nenhuma idéia de gozação com a senhora, ao contrário, muitos evitavam olhar para eles, embora fosse uma tarefa extremamente difícil, como observei.
O detalhe, que chamava a atenção para os sapatos daquela senhora, era que eles destoavam de toda situação. Pareciam fazer parte de uma fantasia, revelando-nos o nosso falso sofrimento.
Como sabemos, é muito comum nestas situações, onde reina um pesar geral, acontecer um incidente engraçado, constrangendo a todos para não parecer que não estão sentindo a dor da perda de um ente querido.
O pior é que, ao se reprimir algum sentimento, por acharmos contraditório e impróprio para um dado momento, o fazemos crescer como uma avalanche e, num dado nível, é impossível segurá-lo. O que ocorre é que há uma explosão geral. Não é incomum, portanto, se escutar gargalhadas num velório.
Os sapatos, presentes naquele velório, não nos provocavam nenhuma vontade de rir, mas eles estavam ali, silenciosos e era impossível desviar os olhos deles.
Parecia que a coisa mais viva, mais autêntica e mais sincera naquele velório era aqueles sapatos. Eles eram um desafio para todos nós. E, mais do que o silêncio que se faz nestas ocasiões, pontilhados por cochichos aos ouvidos, como se não devêssemos incomodar o defunto e despertá-lo, a presença daqueles sapatos criou um silêncio verdadeiramente sepulcral, aterrador.
O que eles estavam despertando em nós? O que eles estavam provocando em nós?
Nunca, num velório, o silêncio foi tão cumprido, calando em nós a força de uma idéia. É aí que reside a vida?
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