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Artigos-->Brasil dos festivais (para o festivaisdobrasil.com.br -- 10/10/2000 - 22:46 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


No dia seguinte à primeira eliminatória, lancei um artigo que tinha por título "O festival de música brasileira da Rede Globo: um kit(sch) completo" (cf. usinadeletras.com.br ).

Um kit(sch) completo, na minha visão desconfiada daquele momento, significava: se cada artista já leva ao palco alguns dos elementos estra-musicais que definirão a recepção do seu número, como indumentária, gestual, postura cênica, numa palavra, a composição mesma de uma persona pública, cada canção, certamente por decisão da direção do festival, viria acrescida de um máximo de signos extramusicais, entre eles os respectivos cenários (criados por quem mesmo?). No meu artigo, eu juntava a essas medidas propriamente cênicas e, agora devo enfatizá-lo, não necessariamente desprezíveis, um kit(sch), digamos, comportamental. Eis aí o motivo para a depreciação do "pop" por parte de roqueiros, como algo por demais ligado às artimanhas do mercado, à criação de uma persona ditada em seus mínimos detalhes pelas prerrogativas do sistema que a vai produzir. Com isso, eliminam-se as criações individuais. É como se o artista delegasse a uma equipe a criação de uma sua imagem pública. Eles o farão, é claro, competentemente, de modo a que essa imagem possa atender ao maior número de pessoas, o que, na maior parte dos casos, independerá até do estabelecimento de uma relação propriamente musical entre o receptor e o intérprete.

Só hoje visitei o site festivaisdobrasil , no qual se promove um debate acerca do festival promovido pela Globo, com artigos de um dos jurados (Mauro Dias) e de dois músicos do bloco dos sem mídia (Madan e Paulo Belinatti).

O artigo de Mauro Dias nos coloca diante de fatos aos quais só mesmo um jurado poderia ter acesso. Elegantemente, ele diz só agora ter conseguido vir a público e tecer suas considerações sobre o acontecido, tal o peso da condição de jurado de que se viu investido. Ele nos revela, por exemplo, que uma grande parte das músicas enviadas ao festival era composta por músicas de ocasião. Trabalho digno, na visão do jurado. Mas dignidade apenas, ele ressalva, não basta para conferir a essa produção alguma qualidade musical ou poética, conforme eu depreendo.

Uma outra parte, grande também, consistia de canções compostas para a ocasião. Os seus autores teriam tido, por instantes, a ilusão da descoberta de uma pretensa fórmula para abocanhar os prêmios oferecidos pela emissora. Um caso, sem dúvida, extremo de internalização dos procedimentos e prerrogativas do mercado. Às vezes, durante o festival, eu me perguntava de quem teria sido a idéia de algumas soluções cênicas, quem teria cuidado, por exemplo, da produção de cada artista, penteados, figurinos e etc.

E eu, agora, acrescentaria, que mesmo entre as 48 concorrentes das quatro eliminatórias, muitas ainda pareciam trabalhar com pretensões de efeito imediato, que é algo que qualquer festival inegavelmente pressupõe.

Há, pelo interior, pelo Brasil afora, um sem número de festivais. Acredito que estar em um deles é, de certa forma, ter estado em todos. Um ritual que se repete com mais ou menos dignidade, com mais ou menos talento, com mais ou menos lisura e etc. E festivais pressupõem esse blablablá infernal ao seu redor.

Um festival, nesse sentido, é uma ocasião catártica, onde os sem-mídia agitam bravamente as suas bandeiras solitárias, os seus "olha eu aqui, esquecido", ou então, para usar a piada de um dos companheiros do usinadeletras , "Buena Vista Social Club para estesinho que se vos escancara a alma em mais uma tentativa dilacerante de galgar o estrelato".

O escritor Ignácio de Loyola Brandão, há coisa de uns dez anos, lançou um livro chamado "O Ganhador", que tinha como personagem um desses músicos de festival, em suas andanças pelo interior.

Suponho que jurados de festivais também resultariam em personagens, quase sempre detestáveis, é claro. Pobres jurados, expostos à injustiça que, alguém já disse, todo festival traz embutida em si mesmo. E, o reverso disso, a inegável proteção aos vencedores, o cheiro de pizza no ar, aquele acertosinho com a gravadora, enfim, as decisões nem sempre capazes de bater com o gosto e a escolha do público.

Sobre o resultado do festival da Globo, eu fiquei mais é estupefato de não terem dado o primeiro lugar a "Brincos", talvez não muito mais que um pastiche previsível. Havia ali, no fundo, no fundo, aquele tal de "som dos carros de boi", aquela "coisa" do Milton, um trabalho muito bonito e etc., saudades de coisas como "Tarancón" e "Raices de America". Resumindo: um pastiche sonoro capaz de pegar na veia da patuléia ceribellizada ou mariapaulificada em seu frenesi sem contornos. Eu fiquei achando que ia dar nisso, tal a comoção alardeada pelas entrevistadoras perigosamente soltas em meio à platéia. Parecia haver ali a tentativa, quase desonesta, de indução, querendo por fogo no circo, incendiar a "galera". Bom para todos nós, não fizeram isso. Saída honrosa: prêmio do júri popular. Quer dizer, a música não tem futuro, só aquele presentesinho ali, aquela emoção incontida, a alegria do reconhecimento mútuo. Música e platéia se merecendo. E isso tem nome.

Esse meu primeiro susto, no momento das premiações, só veio reforçar ainda mais o outro, o do primeiro lugar concedido a "Tudo bem, meu bem". Me fez pensar estar de volta ao Skol Rock, de que fiz a cobertura em 1997, chegando a ser jurado na etapa de Campinas. Devo dizer que, no Skol Rock, a música e a banda (fantástica) emplacariam fácil, ou, melhor dizendo, dificilmente encontrariam concorrentes à altura, tal a mediocridade da maioria das letras que me caíram ante os olhos em Bauru, Brasília e Campinas. Nesse sentido, a vencedora é mesmo uma grande surpresa, conseguindo transformar banalidades do cotidiano em novidades poéticas, em achados, como o tão decantado primeiro verso "Você tem tudo que eu quero pra ser meu problema". Além disso, de todos os intérpretes para mim desconhecidos, esse foi o que menos trazia aquela pinta de futuro astro da música brasileira. Talvez, por isso mesmo, porque não trazia nenhuma legenda conhecida, aquela figura se destacava. Faz tempo que não temos um "tremendão", um desses "amigos de todo mundo", o "boa praça" que sabe fazer canções cantáveis, o "herói" da rapaziada não muito cabeça.

Faz tempo, disso eu sei muito bem, que as gravadoras esperam acontecer algum "cara" como Roberto Carlos, capaz de compor e cantar, de ser o filhão, o pai, o amigo de fé, o irmão-camarada e, sobretudo, capaz de render muitos e muitos sucessos, para não dizer que não falei das flores, digo, de grana.

E aconteceu: um Roberto sem Erasmos. Ora, sim. Só essa tirada já lhe terá valido uma saraivada de pontos dos jurados, disso também eu tenho a certeza. Não é a qualquer momento que se nos apresenta uma novidade como essa, algo que ainda não decodificamos, que ainda vai requerer mais e melhores explicações. Que ele cresça e apareça. Que nos dê pano pra muitas mangas. É o que ardentemente eu espero. O fato de ser rock só poderia mesmo despertar a ira assassina daquela platéia, ao que parece, chegada a uma emoção bem barata.

Quanto aos demais, não poderia haver música mais terceiro lugar do que "Tempo das Águas". Só não consegui me ligar no compositor/intérprete, o Bilora. Acho que ele foi vítima da própria estrutura do festival, da Globo, do star-sistem, ou de si mesmo, sei lá... Mas ele não poderia, dada a natureza da belíssima canção, ter insistido nisso, em se fazer de frente. Eu mesmo, confesso, fiquei ligado o tempo todo ali no fundo, onde os outros músicos (só acompanhantes?) davam um banho. Essa composição faz parte de uma tradição popular que desconsidera a hierarquia entre os executantes. Por isso, o Bilora deveria ter se tocado. Deveria ter se tocado lá para trás, perfilando-se com os seus "pares", para estar dentro do clima que eles - sim, eles - criaram. É claro - é preciso que se repita -, com o auxílio luxuoso do arranjo de Wagner Tiso.

Seguindo ainda por esse viés, a direção do festival não foi sensível, no meu entender, para um dos aspectos mais visíveis do panorama da nossa produção musical. Não estou falando apenas da produção musical visível e acessível ao grande público. Estou falando de uma lista interminável de artistas, responsáveis por grandes CDs e shows no circuito dito alternativo. Quem quiser conhecer uma boa parte dessa lista, é só acessar o festivaisdobrasil e conferir o acertado artigo do violonista Paulo Belinatti. Foi, sem dúvida nenhuma, um erro imperdoável, que não se mencionassem, e com a ênfase mais do que devida e merecida, algumas presenças, digamos, em segundo plano na cena. Foi o caso do violonista Ulisses Rocha, que fez o "vigoroso violão" da música "Show" interpretada por Ná Ozzetti. Foi o caso ainda do citarista Alberto Marsicano, que parecia apenas um adereço exótico na apresentação de Walter Franco. Nem Jacques Morellenbaum, na pouco convincente apresentação de Caetano Veloso, mereceu uma especial deferência. O próprio Caetano terá tido um lapso, terá se esquecido de que isso se fazia necessário. Com Jaime Alem, aconteceu o inusitado. Ele, violonista e arranjador de grandes qualidades já comprovadas, foi de repente alçado à condição de intérprete. A canção era daquelas com mínimas chances de chegar entre as premiadas. Chamava-se "Elo Partido". E algum artista, não se falou nisso, houve por bem colocar pendurada atrás dele, à guisa de cenário, uma grotesca corrente. E, é claro, com um elo partido. Isso bastava para fazer do número algo pelo menos algo deplorável.

Se houve um fato marcante na música feita no Brasil nos últimos vinte anos, foi um grande salto no que tange à qualidade da execução, aos arranjos e interpretações de músicos-instrumentistas. Mas, para usar o jargão conhecido do meio, o Brasil se habituou a ser uma terra de canários. O star-sistem assim o quer, e nós cumprimos os seus desígnios à risca. Ainda seguimos a cartilha do mito.

Nenhum prêmio foi tão inegável quanto o de melhor intérprete, concedido a Ná Ozzetti. Todos quantos acompanham a carreira extraordinária dessa cantora, sabem disso, ela nada tem a ver com o star-sistem, é a negação disso, é a própria compreensão de um outro fazer musical. Nesse sentido, sua cena foi impecável, dialogando, singelamente, com o violão e o violino que a acompanhavam. Ela mesma, apenas voz. E que grande voz é essa, meu Deus, capaz de deixar boquiabertos alguns manos ali entrevistados, gente que, decididamente, não é do ramo, populares, suarentos torcedores de outras músicas, feitas para paladares nada refinados. Ela própria não terá podido perceber o grande silêncio eloqüente que marcou a sua interpretação na final.

Aliás, pobres intérpretes que foram à final. Não sei se ainda vão inventar algo mais torturante do que aquele pelotão de luxo ali perfilado, entre lances de platéia, como que de castigo, cada qual esperando a sua vez de se dirigir ao cadafalso. E o caminho até ele era algo de indescritível. O deslocado Britto Júnior insistia em ser sensacional, perseguindo suas vítimas com requintes de crueldade de arena romana. Queria saber como se sentiam a caminho do patíbulo. Queria revirar-lhe os recônditos da alma, as entranhas, para adivinhar ali, para o grande público, os sinais de que, sempre, o pior estava ainda por vir.

A letra da segunda colocada talvez venha a merecer um artigo especial de minha parte. Do ponto vista da análise da narrativa, ela se destaca por algumas bem-sucedidas ousadias. Como mera narrativa, seria tudo banal, sem maiores conseqüências, disputando lugar com tantas outras coisas ainda muito melhores nesse sentido. Mas, como letra de música, é sem dúvida um feito considerável. Não é fácil pensar letra de música em prosa. A banda Tianastácia, o Madan também concorda, é fantástica, com seus vocalistas, estes sim, decididamente prontos para o star-sistem, e serão muito benvindos em meio tão depauperado como a nossa cena pop atual, o tal de rock-Brasil, para repetir um clichê dos mais sem graça nenhuma. "Tianastácia", que, ao que consta, já é uma banda obrigatória em BH, deve chegar sobrando à cena nacional. Que eles não percam a pegada, que é realmente das melhores. Souberam valorizar uma canção que poderia ter ficado apenas naquele detalhe, repetido à exaustão por graça dessa nossa insuportável cultura de releases, de ter sido composta vinte e cinco anos atrás, ou seja, praticamente um fóssil. Por sorte, caiu como uma luva no pique da banda e a coisa ficou fácil, extremamente fácil. Viva Tianastácia!

Dos outros artigos que li, fica a nossa grande interrogação comum. Será que não vamos mesmo conseguir sair dessa? Nunca? Será que tem de ser assim? Tem de ser mesmo como uma disputa? Será sempre a mesma injustiça repetida a cada nova celebração desse ritual? Os poucos comentaristas, nos jornais de grande circulação, se refestelaram com a chance única de poder malhar, mais uma vez, e como se isso fosse mesmo importante e necessário, a iniciativa da Rede Globo.

Segundo Mauro Dias, a idéia desse festival ficou vagando por aí, esperando que alguém a materializasse. A Globo se armou de coragem, chamou pessoas inegavelmente competentes e, é preciso dizê-lo, entre tantos equívocos já abundantemente apontados, até que conseguiu, na final, tornar o evento minimamente interessante.

Enquanto escrevo este artigo, estou à espera de uma cópia, em vídeo, que me foi prometida por um amigo que gravou a final. Quero ver tudo de novo. Agora, sem aquela fissura de saber quem vai ganhar o quê. Vou tentar ver, se é que isso é possível, com o mesmo olhar dos organizadores e - se bem que isso é impossível - com a mesma coragem com que a Globo imaginou possível fazer disso tudo um grande espetáculo.

Depois disso, pretendo retornar ao assunto.

Muito interessantes as sugestões do Madan para tentar amenizar a injustiça que dizem ineludível, porque embutida na própria concepção dos festivais. A proposta que ele apresenta não deixa de ser razoável, distribuindo, pelos menos, melhor a grana disponível (e que não é pouca). Mas não deixa de ser um contrasenso acreditar na capacidade de autocrítica do sistema capitalista, exigindo dele um esforço reflexivo de tal envergadura.



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