Então, é Natal. Com exceção daquela música da Simone, esta é uma época de coisas boas. De bons sentimentos, de confraternização, daquele blablablá que todo mundo se esquece com a dor de cabeça no outro dia por causa daquela Sidra vencida desde o ano passado que o cunhado levou pra ceia.
Mesmo assim, as festas de final de ano exercem um misterioso fascínio na nossa vida. Nessa época, tendemos a refletir sobre as coisas que aconteceram durante o ano, nas nossas ca.. ops, burradas, nos nossos erros e acertos. Fazemos aquele tradicional balanço, onde mais uma vez chegamos a conclusão que realmente devíamos comer mais salada, parar de fumar, ler aquele livro que dizem ser ótimo, começar a fazer exercícios, parar de gastar à toa (quem ainda faz isso?), beber menos, começar a lavar a cueca no Box do chuveiro, tentar aceitar o cunhado como pessoa, deixar o jornal exatamente do jeito que estava, todas essas resoluções que simplesmente nunca funcionam.
- Benhê, vamos tomar uma resolução de ano novo juntos?
- Qual, meu cutchi-cutchi?
- Vamos prometer nunca mais brigar?
- Concordo! Nunca mais brigaremos à toa! Eu também estava pensando em algumas resoluções e decidi que vou começar a usar roupão depois do banho todo dia. E vou também comer só frutas!
- Você disse isso ano passado, lembra? Na casa do seu irmão, antes de bater a cabeça no ventilador e desmaiar de bêbado.
- Ano passado eu não conhecia o Yoga.
- Nem agora! Só porque leu essa reportagem nessa revista aí acha que é o mestre-guru da Yoga?
- É do Yoga...
- Ah, vai te catar...
- Cala boca, sua idiota!
Algumas pessoas não têm uma idéia muito clara do que querem e acabam se estrepando.
No escritório, o Jaime diz pro Jairo.
- Já tomei minha resolução de ano-novo.
- Qualé? - diz Jairo com cigarro pendurado na boca enquanto digita freneticamente num teclado.
- Ano que vem não vou me estressar no trànsito. Não vou xingar ninguém, não vou ficar nervoso quando alguém não fizer o que eu mando. Vou relaxar, vou sair pra pescar todo fim de semana, vou ficar de chinelo e calção do Corinthians a noite toda. Vou ver novela e dedicar mais tempos aos meus filhos. Aliás, vou ser o técnico do time deles! E mais, vou começar a mexer com ceràmica! E cozinhar também. Vou fazer um curso de culinária. À noite vou entrar no Inglês...
- Ué, não vai ficar em casa de calção do Corinthians?
- ... vou aprender a dançar também. Vou andar com uma máquina fotográfica e tirar fotos de tudo. E tem mais! Não uso mais essa porcaria de gravata! (arranca violentamente a gravata). De agora em diante, vou fazer só o que eu gosto, só o que me dá prazer
O Jaime se animou na resolução. Depois de três dias consecutivos vindo pro trabalho de chinelo havainas e calção do Corinthians, estava comple-tamente feliz. Porém, foi demitido no dia 5 de janeiro.
Outras ainda simplesmente perdem a noção da realidade e se comprometem, naquele entusiasmo, a tarefas para as quais não têm a mínima vocação.
- Ano que vem vou tentar melhorar como pessoa, encontrar todo o amor que existe dentro do meu coração para servir ao próximo. Por isso, Geraldo, me alistei como voluntária da Associação Santo Astolfo de Proteção à s Crianças Vesgas.
-Mas Sofia, você detesta crianças!
-É, eu sei, Geraldo, mas a Lurdinha, aquela metida e invejosa, é voluntária do Bingo dos Velhinhos Surdos, então eu tenho que mostrar que eu sou muito melhor que ela!
Mas acho que a preferida, a que nove entre dez pessoas prometem a si mesmas é a famosa "ano que vem vou emagrecer doze quilos".
- Ano que vem vou emagrecer doze quilos.
- Ah, é, Ronaldo? Como?
- Vou começar entrando na academia...
- Ué, não foi você que pagou seis meses adiantado de academia no começo desse ano? Que ia ter aula com instrutor disso e daquilo? Que podia usar qualquer aparelho vinte e quatro horas por dia? E, pior, me convenceu a deixar de comprar a lava-louças pra isso?
- Ah, mas agora eu vou! Tem uma academia nova que se você não aparecer na aula, o professor de Jiu-jitsu vem aqui e te dá um esfrega.
- Sei. Então já que você quer emagrecer, larga essa taça de sorvete aí.
- De jeito nenhum. Ainda não é ano-que-vem...
- Solta, Ronaldo!
- Não!
- Larga!!
- NÃO! NÃO!! NÃO!!!
Ouvem-se tiros. Gritos de mulher. Ronaldo acaba preso por tentativa de homicídio.
É, de fato mudar é uma coisa extremamente difícil. Eu diria, em mais um chute absolutamente sem critério estatístico algum, que 99% das resoluções de ano-novo são efêmeras. Seu prazo de validade dificilmente vai além de uma semana. E é nessa período que você se dá conta que será impossível atingir o distante objetivo. Que aquela foi mesmo uma idéia ridícula. Na verdade, você devia estar muito bêbado pra ter pensado naquilo! Meu Deus, onde você estava com a cabeça?!
Por isso, esse ano eu tomei uma resolução - só uma. Prometi a mim mesmo que nunca mais vou tomar nenhuma resolução. Quanto a todas aquelas coisas que não estou satisfeito comigo mesmo, vou tentar muda-las a longo prazo, tipo uns dois ou três anos - ou mais, sei lá. Afinal, pra mudar devemos convencer nosso coração e nosso espírito de que andamos a vida toda fazendo alguma coisa de maneira errada. E ninguém conserta isso da noite pro dia. Nem mesmo se esse dia for o último de um ciclo de 365 rotações do nosso planeta em torno do seu próprio eixo, por mais cabalístico que isso possa parecer para alguns.
Renato Cação Cambraia sempre foi chato e provocou uma grande choradeira no Natal da família, em 1976, ao revelar para suas primas que Papai Noel não existia. beco@netonne.com.br
BECO/A SEMANA 24/12/02
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