SOMENTE UMA VEZ
Lembro-me que abrimos uma melancia tão vermelha e doce que não parecia real. Era verão e a lua cheia acreditava ser sol, entrando pelas cortinas leves e clareando as ruas, os jardins descuidados e os pátios. Algo irreal perturbava nossas almas. Algo que sentíamos impossível nos envolvia. Não sei se os teus gestos ou os meus, provocaram a ruptura, rachando as comportas da razão e permitindo que nossos rios de loucura transbordassem. Sei que juntamos nossas mãos na melancia e nos regozijamos com a sua frescura e sabor, sei que teu vestido leve e voador me excitava terrivelmente e que em determinado momento, te beijei, repeti o gesto e não soubeste o que fazer com tanta fúria e paixão, com tanto carinho. Não disseste nada. Teus olhos repletos de plenilúnio murmuraram desejos e medos, gritos e silêncios, enquanto levavas aos lábios um pedaço de fruta suculenta. Foi um instante mágico e único. Vencemos a última barreira e nos deixamos arrastar por aquela torrente ensurdecedora.
Já não importava se era proibido, se era pecado. Teu corpo de gazela jovem foi buscando os contornos do meu. Nos fundimos como figuras de argila, pronta para ser moldada. Respirei teu ar, mesclei minha saliva com a tua, deixamos uma esteira inesquecível no mar do amor. Sobre a mesa da cozinha, escrevemos uma história incrível de puro desejo e ternura. Tuas pernas separadas, tua boca entreaberta murmurando meias palavras, meu corpo lavrando em tua carne, semeando tua alma, fazendo florescer teus desejos, transformando teus pensamentos mais escondidos e secretos em frutas tentadoras. Nunca ninguém tão proibido e tão apaixonado te amou. Jamais poderão dar-te o que dei naquela noite de verão. Já então tu sabias. Por isso, quando esgotamos nossas forças e alcançamos o cume de nosso desejos, quando satisfeitos e cansados nos espalhamos sobre a mesa, começas-te a chorar mansamente, em silêncio. Nem meu abraço fraterno, nem meus beijos conseguiram apagar de tua alma aquela sensação de perda, aquele sentimento de haver provado o proibido uma vez. Somente uma vez e nunca mais.
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