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Contos-->VIDAS EM VÃO -- 01/09/2000 - 01:16 (Paulo Jurza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VIDAS EM VÃO

Era outono, as folhas das árvores, amarronzadas, alheias ao que se passava naquele apartamento continuavam caindo de seus galhos, despedindo-se de suas companhias.
- Não! Não posso me separar de você! - vociferou ela, sua voz entrecortada pelo ruído do trem que passava diante de sua janela naquele bairro do subúrbio - Estou grávida!
Estou perdido - pensou ele - acuado num canto do quarto, percebeu a palavra grávida entre o ensurdecedor barulho do trem - Vou estragar minha vida!
A moça, em prantos, quase histérica, começou a tremer, dizia coisas sem nexo, sem rumo, ambos jovens, pobres, que fariam da vida ???
Ela cada vez mais fora do ar, ele cada vez mais encurralado, e num átimo, ela começou a atirar coisas que estavam a seu alcance - primeiro um cinzeiro parcialmente cheio, que não o atingiu, depois um pato estúpido de porcelana que se espatifou na parede a seu lado.
Meu Deus - a mulher está louca! - Tinha de sair dali, mas seus pensamentos eram mais lentos que as coisas que voavam em sua direção.
Começou a caminhar lentamente em direção à porta, mais uma peça de porcelana quase o atingiu - trecos baratos pensou ele - grávida, grávida - aquela palavra martelava-lhe a razão, mas tinha de sair dali - não era possível!
A moça gritou para que não fugisse, dizendo que se mataria - ai, essa culpa eu não vou carregar, pensou ele - e num salto final atirou-se pela porta afora.
Desesperado, seu coração quase estava a saltar fora da boca, tremia, como podia ter assim num ínfimo instante de prazer, condenar sua vida ?
Ouvia os gritos ensandecidos da moça pela janela, mas decidido, subiu em sua moto e bateu a partida - nada - outra vez - nada - burro, tenho que ligar a chave!
A moto começou o seu pipocar e engrenando ele se mandou, sem rumo, apenas queria sair dali... A visão da rua cheia de folhas de outono amarronzadas o assustou ainda mais... Parecia um colchão macabro para sua angústia.
De volta ao apartamento, a moça não sabia o que fazer, se mataria, ele não iria voltar, pensou, mas como morrer ?
Sim, pensou num filme que vira uma vez, suicidar numa banheira faz um grande efeito - marca bem a mente dos que ficam - queria se vingar da solidão e de seu namorado.
Na rua a moto cada vez mais acelerava, os pensamentos o impeliam a acelerar mais e mais, os sinais e placas já não eram discerníveis pela sua razão - mas era de madrugada, pensou ele, não vou trombar com ninguém... Apenas uma garoa incomodava.
Lentamente a moça encheu a banheira de água morna, enquanto escovava os cabelos e passava batom - queria estar linda, pensou.
Foi até a cozinha e pegou a sua melhor faca, uma de cabo de madeira, ponta torta, velha, mas que sempre que o velhinho passava gritando para amolar facas ela amolava, O cabo da faca já estava até meio podre, mofado, mas era sua amiga preferida - já fizera várias ameaças de suicídio com ela, mas agora era sério, como viveria com um filho sem pai ?
O rapaz pensava, tenho que chegar em algum lugar, tenho que parar e pensar, mas a moto tremia debaixo de seu corpo e ele cada vez mais se embriagava com o barulho.
A rodovia se aproximava, sim, era escura, não teria de ver nada, só ele e seus pensamentos, só ele e o vento e as folhas, assim poderia dirigir até a cidadezinha mais próxima e tomar um trago num boteco qualquer, e assim esquecer-se da noite.
Seu cabelo estava penteado, o batom reluzia, e ela tirou a roupa e mirou-se no espelho - se achou até sexy, com os cabelos armados, e os seios empinados - ela não era qualquer uma, mas estava decidida.
Ligou o rádio, uma musiquinha agradável a fez sentir-se mais desejada ainda, mais sensual, entrecortada às vezes pelo locutor que dizia alguma notícia ou anunciava o prefixo da rádio.
O rapaz tomou estrada, o vento frio cortava-lhe a face, que ruborizava, a garoa espetava-o, atordoando-lhe cada vez mais - Tenho que chegar, tenho que chegar lá - no bar eu penso o que fazer.
A moça, toda nua, foi até a banheira, um misto de excitação, tesão e medo tomava conta de seu corpo, mas parecia fora da realidade, só o que sentia era aquele calor úmido no centro de seu corpo e só o que via era a banheira.
Entrou na banheira, e um arrepio de prazer passou pelo seu corpo, deitou-se na água, tomando o cuidado de deixar seus cabelos de fora e de não borrar o batom. Pensou no seu namorado, onde estaria aquele desalmado ? Pegou da faca e decidida, fez dois cortes precisos, um em cada pulso.
O sangue começou escorrer, escuro, lento, sabia ela que era sangue venoso, mas o que importava ?
Devagar, colocou a faca na borda da banheira, e colocou os dois braços dentro da água, enquanto fitava a água tingir-se de vermelho, em espirais que tinham um quê de beleza.
Na moto, o rapaz pensava em cada minuto daquele namoro, arrependia-se, era para ser apenas uma diversão, era combinado entre ambos que não se envolveriam mais do que o necessário - para ambos era apenas uma maneira de saciar desejos e aplacar a solidão. Mas ela golpeara-lhe com grilhões de um bebê por vir, atara o nó de sua forca - Não quero isso, quero viver!
Caminhões passavam e piscavam-lhe os faróis, mas aturdido ele não sabia que estava com o seu desligado. Via nitidamente a rodovia sob a luz da lua, sem se dar conta que não havia ligado o farol.
Um frio começou a tomar conta da moça, seria a água esfriando - pensou ela, mas não, era o anélito gelado da morte que já se fazia sentir, que lhe dava um sono, um sono gelado, o mesmo frio que sentia o jovem em sua moto na estrada, pensando, que iria fazer, que aconteceria, que ao virar em uma curva, se deparou com um mostro de mais de dezoito rodas cortando a curva pela tangente e que lhe pregou sua vida na grade do motor, iluminando-o com potentes faróis azuis, que o jovem não tivera tempo nem de saber quantos eram...
Na banheira a jovem mergulhava num sono gelado, e ainda teve tempo de escutar no rádio que uma moto havia colidido de frente com uma carreta na rodovia, antes de dar seu último e sensual suspiro, quando uma onda de prazer percorreu seu corpo e ela sentiu que a morte era quase como um gozo, tivera medo de perder seu amor, e nem grávida estava...
Mas não importava perder a vida... Reverberavam em seu corpo arrepios da morte...
A vida nunca teve sentido mesmo...
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