FOGO NA TARDE DE INVERNO
Tudo podia acontecer, menos aquilo. Era verdade que nem Gabriela, nem ele, haviam inventado aquela situação. Um pouco de chuva, o vento ululante, a tarde gelada de inverno, o fogo crepitando na lareira. Gabriela, tão linda como sempre, estava fragilizada e dissera: “ a chuva me come por dentro, me machuca sem piedade...” Porém nada, mas nada mesmo, poderia explicar porque de repente, sentindo-se náufragos naquela tarde terrivelmente chuvosa foram se aproximando, com as respirações entrecortadas, os corações galopando enlouquecidos, os olhos turvados pelo desejo e pelo temor, vencendo os centímetros que os separavam como se percorressem muitos quilômetros e num instante, sem emitir uma só palavra, se enroscaram em um abraço-beijo à beira da insanidade, que derrubou os copos de cima da mesa. Rolaram pelo carpete enquanto chovia lá fora e chovia alegria naqueles corpos iluminados e suados, plenos de energia e sensualidade.
Tudo podia acontecer, menos descobrir, depois de tanto tempo, que seus lábios, suas pernas, seus sexos, suas almas, se reconheciam e se amavam. Por isso gemiam, gritavam, insultavam, liberando todas as ânsias ocultas, levantando todas as âncoras e grilhões, navegando por um mar sublime de inebriante regozijo. Era ele nela, ela sobre ele, trançados, eletrizados, mesclando suores, humores, odores, buscando a cada beijo, afogar todas as lágrimas, todos os sonhos frustrados. Se revolviam como animais.; ela , deixando que o homem a penetrasse profundamente, quase com violência, em um jogo interminável, que atingia a essência de sua feminilidade, marcando-a como o fogo proibido, para sempre.
Tudo podia acontecer, menos aquela tragédia. Depois de tanto prazer, despertaram, emergindo daquele lago brumoso e encontraram o recinto revirado, os copos quebrados, as cadeiras caídas, o fogo quase apagado na lareira e os olhos vermelhos, raivosos, do marido de Gabriela, fulminando-os.
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