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cronicas-->PAPAI NOEL EXISTE? -- 26/12/2002 - 14:10 (Antenor Ferreira Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Saio quase sem fólego do trabalho na segunda-feira. Dia exaustivo de problemas e de cansaço físico e mental. A "cervejinha" no barzinho ao lado é insubstituível. Ela consegue lavar até os pecados dos meus olhares cobiçosos lançados em direção ao corpinho esguio da garçonete que me sorri, maliciosa. Mas são apenas olhares de desejo e não desejos. E fico ali, observando gole após gole o movimento dos carros rangendo pela bela avenida, estático, não pensando na terça que virá. mas na segunda que já foi e que agora está mais longe do que nunca. E em meio às divagações, tenho os pensamentos interrompidos pelo garoto engraxate que me pergunta com voz rouca e fraca:
- Vai engraxar senhor? É só um real e cinquenta.
Olha para mim com ar de cobrança, e repete:
- E então? Vai graxa ou não?
E pela primeira vez, olhei para o rosto inexpressivo daquela criança rota e maltratada pela vida. Não tinha mais de oito anos de idade, estava bastante suja, descalça, molhada pela fina garoa e com certeza de estómago bem vazio.
Perguntei-lhe se estava com fome e ele acena com a cabeça com sinal positivo. Os olhos pareciam perdidos como se aquilo tudo não estivesse acontecendo com ele. Olha para mim, num misto de admiração, respeito e uma pontinha de inveja. Quanto será que eu havia pago daquele terno azul tão bonito? E minha pasta de executivo, quanto havia custado? Deveria ter muito dinheiro lá dentro, cartões de crédito. Puxa! Até celular eu tinha e relógio dourado!
Como pudesse ler meus pensamentos ele me olha de cima abaixo e sorri, um sorrisinho maroto e diz:
- O senhor deve ser importante heim! Tio! ? Tá aí todo grã-fino, roupa bonita! Só o sapato "num tá legal". Vamos passar uma graxinha, vai?! Faço um real para ganhar o freguês.
Eu lhe sorri e mandei que sentasse ali na mesa comigo. Era garoto esperto e de boa conversa e com certeza iria me distrair um pouco. O dono da lanchonete olhou para ele com sinal de reprovação, mas eu insisti e ele se sentou. Pedi então à garçonete que lhe servisse comida. Em cinco minutos a garota aparece com um prato recheado e sortido. Comida farta e de boa qualidade. Ele nem me pergunta se eu estava servido. Comia depressa como se o mundo fosse acabar dali a cinco minutos. A cada golpe do garfo levado a boca, ele respirava fundo. De repente notei lágrimas correr pelo seu rosto. Fiz um esforço enorme para conter as lágrimas também, e perguntei-lhe porque chorava. Acaba de comer e com voz trêmula me diz:
- Vou fazer oito anos, mês que vem, tio. Já estou nesta vida a dois anos. Tive que começar cedo, eu e meus dois irmãos mais velhos. Depois que prenderam meu pai, a vida lá em casa não tem sido fácil. Pegaram ele roubando comida, pois estava sem trabalho a muito tempo e não tiveram pena não. É tio! Como se diz lá no meu bairro: "a casa caiu" para ele e para eu e meus irmãos. Minha mãe largou a gente e foi embora com outro homem. Moramos de favor num quartinho de despejo, no fundo da casa de uma vizinha. Sem cama, sem comida, sem roupa, sem nada.
Para quebrar um pouco a tristeza da conversa, pergunto-lhe o que ele queria ganhar do Papai Noel neste final de ano.
- Papai-Noel só vai na casa de crianças ricas, tio! Na minha ele nunca foi não. Nunca tive um brinquedo, um carrinho sequer e tenho tanta vontade de ter. O único brinquedo que ganhei na vida foi essa caixa de engraxar. É com ela que consigo levar algum dinheiro para casa. Mas não desanimo não. Rezo todas as noites, como meu pai sempre me ensinou. Sei que um dia Deus vai mudar a minha vida e a de meus irmãos. Bom agora que já comi, vamos engraxar o seu sapato e pode deixar que o preço vai ser bem baratinho.
Eu disse-lhe que não precisava, que estava chovendo, mas ele insistiu e fez um belo serviço. O sapato ficou como novo, tamanho foi o seu capricho.
Perguntei-lhe quanto era e ele me disse que não era nada, pois que eu lhe havia pago o jantar e que estava tudo certo.
Peguei então da carteira uma nota nova e de valor grande.
- Tome! Compre um presente de Natal para você e para seus irmãos. Mereceu pelo trabalho bem feito - disse-lhe eu.
Ele pegou o dinheiro quase sem acreditar. Era muito para ele. Olhou-me novamente com os olhos embaçados pelas lágrimas:
- Eu estava enganado Tio... E muito enganado! Agora sei que Papai Noel existe... Muito obrigado tio... Obrigado de coração...
Perguntou-me ainda se eu tinha filhos. Acenei com a mão, mostrando que tinha duas filhas. Tive que usar desse recurso, pois as palavras já não conseguiam mais sair pela boca.
- O Papai-Noel vai trazer um presente bem bonito para cada uma delas, tenho certeza. Ele não deixaria de visitar a casa de uma pessoa boa como o senhor...
Estendeu-me a mão, e saiu dali satisfeito. Na noite escura, dava ainda para ver sua pequena silhueta embaçada pela fria e fina garoa...

Antenor Ferreira Junior.
18/12/2002 23:30 hs
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