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Contos-->Dormir só e não estar só -- 01/05/2003 - 00:59 (Larissa Schons) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Abelardo era o filho único da família. Nascera ao acaso. Depois de longos anos de tentativa de engravidar o casal, De Angelis, decidira esquecer o seu mais desejado sonho e resolveram pensar mais em si, curtir mais a vida. Planejaram que, em breve, viajariam, iriam conhecer novos lugares, novas gentes, nova cultura. E foi na viagem programada que o imprevisto aconteceu.

A alegria da família foi imensa quando comunicados da gravidez de Isabel. Ela que até então havia deixado de lado seu sonho fora contemplada de uma hora pra outra. Estava em estado de êxtase, afinal completados 40 anos já tinha ouvido falar de tudo sobre os riscos na gravidez, a partir dessa idade, abortos espontâneos, defeitos congênitos e o diabo à quatro. Mas nada a desanimava. Dar à luz a um menino era seu sonho e nada de mal iria acontecer. Abelardo era o fruto de seu amor e isso bastava.

Foram meses e meses de todos os cuidados necessários à gravidez, de reeducação alimentar a ajuda terapêutica. Abelardo dera a Isabel uma sensação de segurança que até então havia perdido, além da renovação de sua auto-estima.

Não quisera fazer o ultra-som, tinha certeza que era menino. Mesmo com as insistências de Dona Tereza que afirmava ser menina pela barriga baixa da mãe. Mas Isabel não ligava, sabia que era menino, era uma certeza que vinha de dentro, não sabia como explicar.

Foi com a chegada da primavera e os primeiros raios da manhã que Abelardo nascera para a alegria dos furtivos e atentos olhares de Isabel, Afonso e Dona Gertudres, a avó da criança. Isabel sentia-se realizada, pois nada na vida valia mais que curtir a emoção única de gerar, aguardar, dar à luz, educar e conviver com a sua pequena e estimada criança.

Abelardo, o filho temporão, crescia em berço esplêndido. Era chamado pelos pais corujas e os avós, igualmente, corujas, de Ado, o abençoado da família. Aquele que no futuro protegeria e manteria o bem-estar de todos. Estava sendo criado para ser o primeiro, o único.

Na escola era o primeiro da lista de chamada, o primeiro da classe, o primeiro notável. Na escolinha de natação era o primeiro da raia, o primeiro a chegar. No seu lar era o primeiro a acordar, o primeiro a comer, o primeiro a exigir, o primeiro a responder.

Para Abelardo fazer tudo em primeiro lugar, estar na frente era a certeza de ser especial por sua família. Ser o primeiro foi lhe dando uma sensação, quase, palpável de vencedor, como se tudo pudesse ter e controlar. Porém isso foi, com a partir dos anos, lhe causando problemas.

A alegria foi se transformando em angústia, pois apesar da pouca idade descobrira a duras penas que não possuía o domínio de tudo, mesmo sendo o primeiro, o único. Viu-se cair do alto de seu autocontrole e a um passo estar aos pés do descontrole.

Acontecera na casa de seus avós após mais um dia de vitórias na natação. Seu Jubileu, professor e incentivador, já fazia planos promissores para o moleque. Abelardo seria um atleta olímpico, tinha potencial para isso. Dedicado, lutador, persistente, uma estrela, sem dúvida! Colocara na cabeça do menino que tinha tudo pra vencer. E assim foi dormir Abelardo, sonhando com o seu pequeno Império. Mas naquela noite ele se viu dominado por uma força maior. Ele que era o primeiro, o único fizera xixi na cama. Não conseguira controlar as suas necessidades fisiológicas. E do xixi ao colchão molhado à roupa encharcada veio à vergonha estampada.

Abelardo, o pequeno notável, desesperou-se. A cada noite de sono era xixi na cama na certa. Os pais, Afonso e Isabel, os avós, até mesmo os professores começaram a preocupar-se. O que sente quem não controla o que sai de si? O que seria do menino que se sentia o primeiro, o único.

Seus coleguinhas o castigavam. A prima, Talita, não cansava de cantar a música feita em homenagem ao primo: "Ado, Ado, já que você fica todo molhado é melhor você dormir pelado". E todos riam de Abelardo.

Triste, pela primeira vez, sentindo-se derrotado e culpado, recusou-se a dormir. Naquela noite decidira ficar acordado até de manhã. Não iria fazer xixi na cama, não iria sonhar, não iria perder. Ficou olhando os carros passando, o barulho dos insetos e depois as estrelas, os vultos na rua, foi se acostumando com o ruído da noite, tudo parecia tão calmo e Abelardo cochilou, cochilou, cochilou...

Noite adentro, 3 horas da manhã, Abelardo sonhara. Não um sonho qualquer. Um sonho onde encontrara uma pequena menina loira, do tamanho de um inseto, que possuía uma luz intensa nas costas que quase o fizera cegar. A pequena itajubá aconchegara-se no seu ouvido e dissera: - Não tenhas medo, menino. Não tenhas medo do escuro e nem dos teus sonhos. Dormes só, mas não estás só. Ninguém te abandonará!

A partir desse dia Abelardo não mais fez xixi na cama, a partir desse dia Abelardo não teve medo das perdas, a partir desse dia Abelardo aceitou-se como é, afinal sempre fora o primeiro, o único entre os seus.
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