Apresento-lhes aqui o meu conto em capítulos Eulália, esperando que ele os agrade e que queiram segui-lo até o fim.
CAPITULO I
Eulália vinha esgravatando o dente com um grampo. Passava a língua na cratera e sentia o redondo liso da semente de goiaba. Puxava-a com ponta da língua, sugava=a com ruido e, desesperada de dor, procurava atingi-la por baixo com a ponta do grampo.
Do lado da casa, onde se refugiava, havia uma goiabeira sempre carregada. A fome era muita, o ganho quase nenhum. Com uma vara, Eulália colhia as goiabas verdolengas, de polpa vermelha, e levava-as para o quarto. Viesse “freguês” ou não, ela teria o que comer,com que acalmar o estômago, que roncava e ardia.
Estava de encosto na casa da Rita e fora a Rita que lhe arranjara o primeiro “freguês”; mas Eulália não dava para aquilo... bom era andar por ai, sem rumo! Não devia nada a ninguém, quer dizer, devia à Rita, mas, se conseguisse o dinheiro para o pão e para a cerveja, Rita ficava satisfeita e a goiaba acabava com o ardor no estômago. Não gostava muito de homem, não; eles, sim, é que gostavam dela.
Quando amanhecia de boa, arrumava “freguês” o dia todo e noite a dentro; dava o dinheiro para Rita e ficava com algum para comprar roletes de cana ou dar umas voltas nos brinquedos do mafuá. Mas quando as sementes de goiaba entalavam em suas cáries, é que era... Rita levou-a uma vez para arrancar um toco que lhe tirava o sono. Cuspiu coágulos de sangue a noite toda, o queixo endureceu na papada, como se fosse tijolo e doía aos fisgões. Enquanto pudesse, ia tirando as sementes com o grampo...
Caminhando meio desesperada de dor, chegou até a praça da Basílica: quem sabe se o Santo não cura dor de dente?
Do alto da escadaria, padre Jesuíno avistou-a e ficou esperando. Eulália era para ele uma constante preocupação; tão inocentona, tão jovem e tão desnorteada. Ele a batizara, ela a vira crescer e quando a mãe, da ainda menina, morreu, foi ele quem a levou para Santa Quitéria e a deixou aos cuidados de uma tia, por parte de pai – se é que se pode chamar de pai aquele monstro que maltratou, quanto quis, a mulher e a filhinha e acabou por abandoná-las, sumindo no mundo.
Eulália continuou infeliz, porque mudou apenas de cidade, mas não de maltratos: apanhava da tia, do tio e dos primos. Quando chegou à adolescência, havia fugido de casa e voltado para Canindé. Suas formas avantajadas, seu andar naturalmente bamboleado, logo chamaram a atenção dos olhos machos e cobiçosos da cidade; sua ingenuidade tornara-a indefesa, contra as maldades que a cercavam. Mesmo com a providencia do padre Jesuíno em lhe arranjar emprego em casas de família, a pobre Eulália acabou na “zona”, já que seu rosto bonito, seu riso fácil eram uma ameaça às donas de casa e seus incontroláveis filhos...
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(Não perca! Continua amanhã, no próximo capítulo: que acontecerá com Eulália? Tchan...tchan...tchan!!!)
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