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Contos-->Medo -- 09/05/2003 - 16:52 (Renato de Brito) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Medo

Ah, que saudade do tempo que eu tinha medo do escuro. O escuro, pelo menos, se fazia sensível, abraçava a claridade do ambiente e o tornava sombrio. A sensação de cegueira era temível. Lembro-me e que bastava minha mãe apagar a luz e fechar a porta, eu encolhia as pernas. Morria de medo que mortos viessem puxar meus pés. Eu imaginava que eles abriam um buraco no chão, uma passagem para o além, e me puxassem para lá pelos pés.
Mas eles não podiam puxar meus pés, estivesse na cama o meu cobertor amarelo. Meu cobertor era o meu escudo. Depois de algum tempo, quando já confiava no cobertor, comecei, quando com os pés cobertos por ele, esticar minhas mãos para fora da cama para provocar os mortos. Eu me deliciava com isso, adorava desafia-los.
Mas embora eles não pudessem puxar meus pés, eu sabia que havia o buraco negro num ponto do chão, tão negro quanto a escuridão do meu quarto. Um descuido ao descer da cama, e eu poderia cair no buraco. Eles não me pegavam, mas ficavam na tocaia.
Mas isso não se compara a quando eu acordava no meio da noite. A porta do quarto se escondia na penumbra, o que fazia com que a minha vontade de ir ao banheiro se agigantasse. Pensava, - Meu Deus, para que lado fica essa porta? Procurava me guiar por algum ponto luminoso que a indicasse, porém jamais me lembrava da janela que ficava acima da minha cabeça. Sabia também, que se descesse da cama pelo lado errado, eu cairia na armadilha dos mortos. Desesperado e apertado, ou por vezes desesperadamente apertado, eu relutava. Quando não mais era possível me segurar, prendia a respiração, me movia lentamente para não fazer barulho, na esperança de os mortos estivessem distraídos, fechava os olhos, mesmo que isso não fizesse efetivamente a menor diferença, e pisava o chão. Não me lembro de sentir tanto conforto em pisar o chão, como sentia quando conseguia ficar de pé no escuro do meu quarto, era um alívio. Além da coberta, os chinelos do meu irmão me protegiam também dos mortos, porque eles queriam a mim, e se eu caísse na passagem com os chinelos do meu irmão, eles teriam sérios problemas, pois estavam seqüestrando, também, os chinelos de terceiros, sem o consentimento do dono. Se apoderar das coisas alheias sem consentimento do dono é errado. Então eu dormia com os chinelos do meu irmão nos pés da cama.
Sempre que eu descia da cama, podia ver a janela, por onde alguns escassos pontos de luz se atreviam na escuridão. Então eu voltava para cama e ficava de frente para ela. A porta e os chinelos estavam à esquerda da janela. Quando percebia que ao descer da cama, havia o feito pelo lado direito da janela, sentia um novo alívio, pois, apesar de não saber exatamente onde os mortos abriam a passagem para me capturar, o imaginava à direita da cama, as possibilidades deles eram maiores daquele lado, pois os chinelos e a porta ficavam do outro lado e se alguém abrisse a porta repentinamente, eles teriam tempo de entrar na passagem e fechá-la, já que a cama faria uma barreira visual. Então eu calçava os chinelos e saía no sentido sudoeste em relação à janela, o que me levava exatamente à porta. O prazer de poder enxergar, ainda que pouco, era imenso, eu me dirigia solene e apressadamente ao banheiro, afinal, ouvia diversas histórias de colegas que tiveram problemas com os mortos que assombravam seus quartos, mas eu, novamente, havia os vencido.
Naturalmente que hoje, levanto-me e circulo pelo escuro sem problemas, não tenho mais medo dos mortos ou monstros noturnos, assisto a filmes de terror e durmo em seguida tranqüilamente, circulo em noites de lua cheia pela rua sem o menor constrangimento e até fico nu próximo a fotos com naturalidade – sempre achei que as pessoas nas fotos pudesse me ver nu.
Sinto saudades daquele tempo que tinha esses medos, não só por saber hoje que aquilo tudo não representava perigo algum, era onírico, mas por saber que o medo instigava minha imaginação, eu sempre tinha uma solução para vencer meus medos. Hoje o medo perdeu a graça, ficou sisudo, inflexível e opressor.
Mas tenho que lhes confessar:
Ainda hoje, guardo meu cobertor amarelo.
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