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Contos-->Quem? -- 09/05/2003 - 16:58 (Renato de Brito) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quem?


Olhei para o lado e o vi perfeitamente. Os olhos mansos me olharam com indiferença. A camisa entreaberta, a barba por fazer, o suor que brotava-lhe na testa e se misturava com a umidade do dia chuvoso, -não sem enfumaçar-se pelas baforadas dos boêmios que o cercavam - tornavam-no mais velho. Não cronologicamente, mas espiritualmente. Ele era a imagem da melancolia.
Naquela hora não me passou pela cabeça ser uma imagem impossível, pois meu pai há alguns anos faleceu. A figura era nítida o suficiente para que eu jamais pensasse nisso. Não me pareceu bêbado, embora ele possuísse o hábito de beber em demasia.
Parei de olha-lo por um instante. Fitei meu copo quase vazio como se pudesse encontrar nele a resposta para pergunta que ainda não fizera, mas que me incomodava. Pedi mais uma dose. Ora, meu pai estava sentado na mesa ao lado, mas não se manifestava. Eu, meio bêbado, sequer esbocei reação. Olhei-o novamente e ele continuava a me fitar. Olhava-me quase ignorando. Senti no seu olhar uma ponta de vergonha. O flerte foi interrompido quando o garçom trouxe meu drink.
Bebi mais um gole e olhei o movimento. Era um bar como qualquer outro. Pessoas embriagadas conversando alto, fumaça, cinzeiros nas mesas e cinzas no chão, balcão grande, garçons apressados se contorcendo entre as cadeiras, risos. Olhei meu copo, mas não bebi. Pensei em seguir com o passeio das retinas sobre o bar, mas um medo inexplicável me acometeu. Meu pai poderia ainda estar lá.
O que ele haveria de querer comigo esses anos depois? Agora já estava claro que ele estava morto. Brotou dessa lucidez meu medo. Se antes a sensação era estranha, agora ainda mais. Meu pai morto flertava comigo numa mesa de bar. Estaria eu ficando louco? Bebi todo drink de uma só vez.
Ao passo que a bebida esquentou meu peito aflito, senti uma vontade incomensurável de olha-lo novamente. Mas poderia ser loucura. Resolvi pedir mais um drink.
Que situação para um final de dia chuvoso. O que fazer? Ir embora sem olha-lo novamente? Poderia ser um último alento visual, uma oportunidade ímpar de ver meu pai. Do tamanho da curiosidade só o medo. Resolvi esperar a bebida.
Mesmo sabendo que essa era a atitude mais covarde possível, principalmente porque eu o critiquei a vida toda por se esconder na bebida sempre que se deparava com uma situação difícil, mesmo sentindo a vergonha de faze-lo, o fiz.
A bebida chegou e antes que o garçom a colocasse a mesa, tomei quase tudo num só gole. Olhei meio vingativo, pois agora a situação era inversa e meio envergonhado, pelo mesmo motivo. Sorri mais por vergonha. Ele me sorriu meio envergonhado também. Notei com certo constrangimento que o garçom ainda estava ao meu lado. Olhei-o censurando. Ele se retirou. Quando voltei a olhar meu pai, notei o garçom se afastando dele também, e me dei conta que aquele homem era eu mesmo, refletido no espelho.
Hoje, compreendo meu pai.
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