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Contos-->O Tiro -- 28/05/2002 - 14:06 (Renato de Brito) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Recordo-me vagamente, acho que voltava do trabalho. Já era noite e sentia-me cansado. Estava sentado, talvez num metrô, ou num ônibus. Via na minha frente uma criança dormindo imperturbavelmente, com a cabeça pousada no colo de sua mãe. A criança não tinha mais que uns sete anos e seu semblante tranqüilo me fez lembrar minha infância. Vi sua tenra imagem se distorcendo, embotando-se... até que também dormi.
O sonho era mais recordação. Podia sentir a tensão percorrer meu corpo, o tiro deveria ser perfeito. Tudo que eu conseguira, naquela ocasião estava em jogo. O tiro deveria ser preciso, eu não teria outra chance. Fechei os dois olhos. Abri somente um, visualizando, na medida em que abria os olhos, o percurso que aquele tiro certeiro faria. Finalmente fitei o alvo. Ouvia algumas vozes, alguns sons distorcidos ao longe. Talvez os sons estivessem bem próximos, mas estava tão concentrado no tiro que somente via meu alvo estático, apoiado na coluna. Parecia-me um tanto quanto inofensivo, emanava dele uma áurea verde, singela, linda, que dava mais vida aquela coluna branca. A visão de sua beleza me causava um certo constrangimento, e naquele momento, não sei se maior que minha vontade de acerta-lo. Talvez minha vontade fosse erra-lo e terminar com aquela celeuma, mesmo derrotado. Todas essas possibilidades me deixavam tenso: minha glória ou minha frustração estavam prestes a eclodir da minha cabeça na velocidade e precisão de um tiro. Eu não podia mais, por um instante sequer , prolongar aquela expectativa. Atirei. Desde o início do movimento eu fitei somente meu alvo, na ânsia de ver aquela história terminada de uma vez por todas, só desejava o fim daquela tensão. Eu acertei o tiro. Confesso que, antes de me sentir contente pelo acerto, ou mesmo aliviado, fiquei triste por ver a aura verde evaporar e o branco tomar, como uma cegueira, toda a vivacidade do verde, na medida em que o alvo rolava pátio afora. Em seguida vi os que torciam por mim, extremamente contentes; sorrisos puros, vibrantes. Senti-me chateado, acho que eles não notaram a aura verde, esvoaçante na coluna. Depois já um pouco contente e relaxado, eu sorri. Pelos torciam para eu errar, lamentei por só um instante, pois eles não estavam triste pela vivacidade que se evaporou com meu tiro certeiro, estavam tristes porque haviam perdido a disputa.
Ouvi uma sirene. Correria geral, todos perfilados. Eu permaneci agachado. Ouvi uma voz seca gritar comigo. O Mais rápido que pude, recolhi minha atiradeira e todas as bolinhas de gude que havia ganho naquela tarde e corri para fila, pois sabíamos que era regra da escola formar fila após a sirene que indicava o final do recreio.
Na fila fiquei pensando se um dia, quando me tornar um adulto, ficaria cego para aura linda das coisas que nos cercam, como as outras crianças. Estes pensamentos me carregavam daquela fila para o futuro, tentando imaginar o que aconteceria, sonhando acordado... e já não tenho certeza se sou a criança que teme ficar cega para beleza das coisas quando adulto, ou se sou o adulto que, mesmo cansado após um dia rotineiro de trabalho, vê-se no sono tranqüilo de uma criança desconhecida.
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