Hoje eu sei que eles tinham razão, dezessete anos se passaram rápido, mas o lento despertar para a vida começou em um só dia, aquele dia que inevitavelmente me lembro sempre ao pensar no ontem e no amanhã.
O cansaço, o sono, o arder dos olhos por reflexo da luz impiedosamente acesa eram o recado, estava eu atrasado. Levantei, arrumei-me, encontrei, à mesa para o café da manhã, meu pai com os olhos tão vermelhos e cerrados quanto os meus, porém seus olhos mostravam que tinha trabalhado até tarde, enquanto me esperava chegar da boêmia. De repente dei-me conta do remorso que estava sentindo pela primeira vez. Não sentia mais aquela sensação típica da adolescência de que tudo e todos estavam contra mim. Fiquei pensando, estático, enquanto via a imagem do cansaço de meu pai à minha frente.
Minha mãe veio, trazendo o leite e os pãezinhos da padaria a algumas quadras de casa, estava toda contraída e trêmula pelo frio da manhã. Fiquei como que hipnotizado, imerso em pensamentos, refletindo sobre a vida e nem mesmo o meu pequeno irmão, que estava gritando e pulando ao meu lado, não me irritava mais.
Uma eternidade passava-se, tudo movia-se e nada mudava, apenas meus pensamentos percorriam minha cabeça. Minha mãe preparando a mesa, meu pai, mesmo cansado, lendo o jornal, meu irmão brincando com a comida e eu, eu começava a entender aquelas duas pessoas surradas pelo cansaço, pela desesperança e pelo mundo. Compreendia o significado de cada dia de batalha que meus pais haviam lutado, de cada dia agüentando sobre os ombros o peso de sustentarem uma família e de me sustentarem. Em meio aos pensamentos fiquei, até escutar a voz ríspida de pai chamando-me para o colégio.
Lembro como naquele dia tudo parecia sereno, calmo e fácil. Porém não considerava mais pesadas ou cansativas nenhuma de minhas tarefas. A única coisa que abalava-me, que eu sentia o peso, era algo em minha cabeça, algo que me remoía, que me incomodava, algo que hoje o chamo de consciência. |