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Contos-->A TOCAIA -- 14/05/2003 - 14:32 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A TOCAIA






Sertão bruto do Jalapão. Pedro Tiúba erguera o seu rancho no beiço da estrada que demandava ao baixão dos porcos. E naquela manhã cinzenta de agosto, com a bafugem das queimadas varrendo ao longe os cerradões e os campos dos gerais, contemplou, de olhar duro, o corpo do filho estendido na esteira de tucum, tendo-se nas cabeceiras velas de sebo acesas em cacos de jatobás, que velavam assim o defunto, a caminho da eternidade. Fora assassinado por um dos jagunços de Roberto Dourado, o Mucura. As carpideiras e os parentes choravam o morto.
Pedro Tiúba postou-se diante do filho morto e retirou da patrona de couro ensebada uma moeda de cobre e a colocou debaixo da língua açafroada do defunto. Assim, o criminoso não fugiria. E, em seguida, catou os afavecos no canto do rancho, um covocó e um cubu de enxada, e ganhou a mata da beira do rio Vermelho. E ali no silêncio das árvores, abriu uma sepultura de sete palmos, debaixo de um tamboril, e amarrou por cima, num galho, o cubu da enxada. E, batendo os beiços numa oração braba, deu sete voltas ao redor da sepultura e tangeu, também por sete vezes, o facão rabo-de-galo no cubu da enxada. Era uma gronga forte, de mandingueiro curado; e o criminoso não tinha como escapar com vida, estava condenado para sempre, e lacrado na cova!
Depois daquela cerimônia macabra, voltou ao rancho e tratou de dar sepultura ao filho. Acompanhou firme o enterro, não chorou, mas na sua mente só tinha uma palavra: vingança! Uma morte daquelas não podia ficar assim. O filho não era defunto sem choro. E a idéia ficou-lhe parafusando no miolo, no martela-martela sem parar. E aos poucos, no trepe-trepe do clarão vingador, rebentou para a ação. Era preciso moquear o cabra criminoso, passá-lo na bacia das almas. E o bangüê que conduzia o morto clamava por isso, pois ia pingando sangue pelo caminho.
Após o sepultamento do filho, na chapada da ema, retornou ao rancho. E de esfuziada preparou às pressas, no pilão, uma paçoca de carne e a colocou no alforje, juntamente com uma rapadura. Desenrolou do saco de aniagem a carabina papo-amarelo, de estimação, e a passou em cruz, na boca da fornalha, por três vezes, dizendo, de si para si, uma oração forte. E, de madrugada, fez sertão. Foi botar uma tocaia debaixo de um pequizeiro, na beira de um vau do rio Vermelho, que dava saída para os sertões da Bahia.
E ali, da tocaia, Pedro Tiúba, extasiado, olhava ao longe o rugir furioso do incêndio que se alastrava na direção da chapada das Mangabeiras. O sol castigava. A terra era um braseiro. Do chão rodopiava pelo ar a areia fina e afogueada. A canícula tremulava nas lonjuras.
É nessa época do ano que o sertão bravo oferece o pior espetáculo. A paisagem é um manto fúnebre de dor. A vida é um hálito de morte por asfixia.
O gado curraleiro, numa situação pré-agônica, foge para os brejos de buritizais. E o sertanejo, estimulado pelo fogo alhures, numa atitude irresponsável, toca fogo nos seus campos. É a devastação que campeia dos chapadões, das matas e dos travessões das serras. Tudo eclode. Tudo arde. Tudo devora. Tudo mata.
O fogo pula por toda parte. As labaredas rubicundas, em línguas de fogo, lambe as folhas secas e os gravetos, devora as moitas, alastra-se, reanima-se no açoitar dos ventos. E pula aqui, acolá, como se caminhasse pelo chão. E vai se alargando pelo campo afora. É uma odisséia dantesca e de reveses, que se propaga pelo sertão.
E aquele guanhã colosso do Jalapão vai sendo devorado pelas chamas, em labaredas farfalhantes, aos repoupos, que parece os bufidos do inferno, num estrugir de brasas, nos boqueirões, nas veredas, onde sobem pelos troncos rugosos dos buritis centenários, alcançando as bojudas cabeleiras de palhas, em espirais de fogo, que assemelha aos rebolões dançantes de coriscos, num pirilampejar de faíscas!
É um espetáculo doloroso e medonho.

* * *

O criminoso Mucura pensou em escapulir para o Piauí, através da Chapada das Mangabeiras, e saiu de esfuziote, afuroando campo afora, mas não conseguiu, uma força muito grande o empurrava na direção do rio Vermelho. Briquitava e só andava em círculo, à zaina. Estava carregado de um tangolomango danado, numa aprosexia terrível. O sentido, azoretado, já não lhe pertencia, era daquela força estranha, que o atochava para o rio Vermelho.
Pedro Tiúba aguardou na tocaia; depois de três dias de espera, o matador de seu filho apareceu no morredouro. De cá da tocaia, manobrou a carabina e aguardou. Deixou o caborjudo entrar na água, para quebrar o corpo fechado, e espichou fumaça. O homem descangotou e caiu de borco na água, estrebuchando, no estertor da morte. Pedro Tiúba correu para junto do baleado e arrochou a peixeira cascavelando com vontade.
E, despreocupado, a folote, com a alma leve de bruto canela, desapareceu nos cerradões dos gerais. O filho estava vingado, que descansasse em paz!


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