Farewell, my lovely
O dia que teimou tanto em chegar.
A bruma espessa da manhã
(um frescor que viraria suor e desconforto.)
Tudo após um sono como um oráculo, devolvendo em bruto respostas a
densas questões.
Tudo por um fio.
Tão tênue, esgarçada, rota.
Corda bamba oscilando sobre abismos,
circenses equilíbrios,
desastrosas, desgastantes atuações.
Ter existido como ilusão.
Ser como um espectro, atravessado por mãos que tentam me tocar,
atravessando um ser para sempre inacessível.
Para sempre. A mesma expressão no começo e no fim.
Os inúteis últimos esforços.
A gratificação de abrir os olhos depois de um coma profundo.
A luz, que ainda tanto dói nos olhos desacostumados.
As claras evidências.
As verdades indisfarçáveis.
Estou tão feliz e não estou.
Estou em um limiar:
um dia houve antes,
amanhã não há depois.
Truncada como este poema,
como uma fratura exposta,
abano as mãos acima da linha dágua,
agito a envolvente massa que me cerca,
consigo emergir.
(Farewell, my lovely,
wish the times had not been so hard,)
No limiar e num caminho inescrutável.
Imersa em mim como quem bóia no cômodo e inquietante útero materno,
me preparo.
Nasço, vivo, morro, fecho ciclos.
Eu sou um ser que resiste e cujo desejo é a construção.
busco em torno a matéria prima de meus imaginários edifícios, de
minha arquitetura, tão devotada, tão definida e ainda assim
tão fluida em suas formas.
Busco a argamassa para partir do nada sobre um terreno reduzido à
primitiva terra batida, à sua primeira e última instância.
Palavras, imagens, fantasmas se insinuam em ânsia premente de
participação.
Olho para todos, observo, peço que esperem.
(É tempo de critério. A forte luz proteja também escuras sombras.)
Farewell, my lovely.
Aqui um caminho se bifurca
beijinhos
Helga
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