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Contos-->DE BRUÇOS -- 07/09/2000 - 18:24 (Marcelina M. Morschel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Deslizou devagar, sentindo a maciez do lençol, e, quando seus pés chegaram ao final da cama, virou-se contra a parede. Seus olhos já haviam visto muito naquele dia. Sentia-se tombada como árvore sem frutos e o corpo, embora esbelto, assemelhava-se a um tronco retorcido que o ciúme deformara.

Os fatos desfilavam um a um sem interrupção, e seu olhar mergulhado em devaneio era perdido e vazio como o branco da parede. Mas na brancura desta perdição, o ziguezaguear constante da luminosidade dos raios anunciava a tempestade. Seria melhor fechar as janelas do coração. Comodamente, com as mãos debaixo da cabeça, foi arrancando as palavras feito erva daninha. No momento sentia uma espécie de ódio que a paralisava, acompanhado de uma tensão conflitante. Urgia análise de fatos com certa frieza para que a solução fosse das mais precisas. O triângulo existia, estava desenhado na gafe daquele recorte de jornal. E foi tantas vezes lido que, se os olhos tivessem estiletes, as letras estariam mortas. Não queria acreditar, mas era patente, ele havia mentido. Flagelada pelo ciúme que tortura, lembra os últimos acontecimentos. Em todo amor existe uma semente de rivalidade prestes a ser semeada. Com os pés do pensamento desce da cama, tira do guarda-roupa aquele vestido azul que lhe formoseia ainda mais o corpo. Ele sempre tece elogios quando a vê assim vestida. Começa a maquilar-se, aveludando o rosto bem feito. Realça os olhos já expressivos. Ajeita os cabelos cor de ébano, emoldurando o quadro. Sai em nuvem exótica de fatalidade. Por dentro é só doçura e placidez. No encanto do encontro da primeira paixão, é leve e flutuante. Sorri dos tropeços nos buracos da calçada. Que importa o aperto dos ônibus repletos que saem vomitando gente pelas portas se o amor transborda deixando um rastro de estrelas que lhe dizem coisas belas? Seus ouvidos são vales que conservam o eco das doces palavras, ladainhas das repetições amorosas e promessas. O alarido e o buzinar constante transformam-se num sibilar gostoso da palavra que mais gosta de ouvir: “benzico”. Mas hoje é um dia fatal. Será a prova e depois, os ais alegres ou chorosos. São três letras apenas, mas de conseqüência incomensurável. Não vê o tempo passar. O sacolejar do ônibus acompanha sua desconfiança. O ciumento luta consigo e não com a pessoa amada. Ergue o braço, dá o sinal para descer. Elegante, atravessa a avenida. Encosta-se no muro de uma residência. Abre a bolsa e, com muita discrição, tira algo, tomando atitude de espera. Anoitece. Todos os carros com mulheres ao volante são alvos de sua atenção. Coração acelerado agora. Ela o vê sentado à direita. Pega o binóculo e aproxima a cena que não queria ver mesmo de muito longe. Confirma. A lente está embaçada pelas lágrimas, mas ela é forte e continua na espreita. Os dois descem. Ele apoia a mão nos ombros da outra. Ela, de longe, sente arrepio. Entram num bar. Ela muda de posto para ver melhor. Seu globo ocular dança as horas tristes do abandono. Ofuscados pela nuvem de fumaça dos cigarros, o par conversa amigável até demais para simples amizade. Erguem a taça do reencontro e sorvem aos goles a felicidade. Desenvolta, ela inebria o macho, que degusta, com a bebida, o suceder das frases feitas. E as horas passam. Inerte, só, do outro lado da avenida ela guarda o binóculo lenta e pausadamente. Não havia razão para pressa. O amor já fora alcançado por outra, talvez uma Françoise Sagan ou quem sabe... E, espreguiçando, tirou os pés para fora dos lençóis, levantou os braços tentando segurar o nada. Muito dengosa, fez um beicinho, amoleceu o corpo e virou de bruços, balbuciando:

- Boa noite, tristeza.
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