Que tenho eu com Vincent Van Gogh e suas orelhas?
Ao ver seus quadros, suores frios e tremedeiras,
Estejam onde estejam, em Paris, na Orangerie,
Em Amsterdã, em Bruxelas, mesmo em Nova Iorque.
Por que tanta angústia com os “comedores de batatas”?
Rostos com cheiro de terra, de fome que nunca se acaba.
Olhos tristes e fixos na Flandres sem fim,
Chorando as lágrimas que não têm,
Almas e corações a ansiar pelo sol e as flores que não vêm,
A fugir do cinza e do negro, com o amarelo e dourado a sonhar...
E é lá que sempre tremo e empalideço,
Pelas ruelas de Arles a caminhar,
Sinto-lhe a presença, o espírito a vaguear
Ou a orelha cortada a sangrar.
Meu Deus, que sina é esta, que para Van Gogh não posso olhar?
É um medo que arrepia! Medo da loucura?
De uma loucura vazia, sem engenho e sem arte?
A dele, sua loucura santa e bendita
Que o mundo todo encheu de emoções,
Com seus girassóis amarelos que valem milhões.
E os meus girassóis? Pobres girassóis que só valem tostões...
Eu o amo, e eu o odeio. É uma paixão descontrolada.
Resistir não sei, mas não hei de ter a orelha cortada.
Volto à terra, com os meus pincéis domingueiros.
O sol a pintar. O Sol da Flor!
A Flor do Sol!
Temo a sua loucura, mas agradeceria m’a desse Deus!
Se também os meus girassóis fossem amarelos como os seus!
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