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cronicas-->VELHOS NÃO MUDAM -- 08/01/2003 - 20:24 (MARCIANO VASQUES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VELHOS NÃO MUDAM
Banho de uma garota é sempre um acontecimento extraordinário. Quando a Vitória está no chuveiro ele relembra os almoços da sua adolescência. Era o mesmo descaso cometido contra alguém. A consciência não se desenvolveu nas últimas décadas, não se modificou, pelo menos nesse aspecto, apesar das reformas e mudanças nos comportamentos e formas de pensar.
Vitória fica quase duas horas no chuveiro.
Quem diariamente permanece fora de casa o dia inteiro, lutando ferrenhamente pelo pão, está sendo prejudicado. Alguém cuja luta é invalidada e o dinheiro desperdiçado pelos banhos da filha.
Nos almoços antigos ele e os irmãos só comiam as misturas. Sempre foi assim. Nem tocavam no arroz e feijão.
Comiam as batatas, o ovo, o fígado. E o prato repleto de comida era levado ao cão, que também quase nem triscava, só comia o arroz. Nenhum grão de feijão.
O pai saía diariamente para a fábrica. Só voltava no fim do dia. Teve uma época que trabalhava em dois empregos. Fazia um bico. Era com esse dinheiro que pagava a caderneta. Num quartinho de ferramentas guardava os sacos de sessenta quilos de arroz que eram desperdiçados durante o mês.
Hoje ele tem um conhecimento da vida que podia torná-lo bem melhor e ajudar a própria Vitória, mas falta algo, talvez costurar o que está vivendo com os dias do velho pai. Isso sim, seria destravar por completo a consciência, varrer definitivamente a ignorància, lubrificar a mente.
Talvez compreender que não há distància entre o homem que no quintal faz a massa para o assentamento de tijolos e a mulher que na cozinha faz a massa do bolo. A ação de ambos é fundamental para o dia. Talvez compreender coisas tão simples assim valha a pena e o ajudaria a entender que saber, por exemplo, sobre o Código de Hamurabi não o torna capaz de promover mudanças significativas em sua vida.
A ignorància tem vida longa. Viver no submundo é cómodo. A consciência precisa ser despertada, depois lapidada, isso requer esforço. Depende, principalmente, de muita leitura.
Beba muita água diariamente e coma alimentos ricos em fibras, leu isso num livro, depois de sofrer anos e anos com as hemorróidas. Nunca relacionou a falta de uma alimentação adequada e a abundante ingestão de líquido com o seu sofrimento. Com o passar dos anos acostumou-se com a convivência do problema.
As hemorróidas tornaram-se responsáveis pelos seus constantes ataques de péssimo humor e pelas palavras agressivas que passaram a fazer parte do seu vocabulário rotineiro.
Em vez de água tornou-se um viciado em Coca-cola, sem perceber o processo de idiotização que afunilaria a sua vida com o passar dos anos.
Quando trazia o plástico colorido para pregar na frente da tela da TV, o pai era ridicularizado pelos filhos que aprenderam a rir de soslaio nos corredores. O homem ficava horas dissertando sobre as cores da tela e transformava em felicidade o acontecimento proporcionado pelo plástico vagabundo comprado no Brás, perto da porteira, sem se dar conta do risinho e do desprezo da sonsa juventude do futuro, que ele lutava para alimentar. Postava-se com seu cigarro contemplando os filhos dissimulados que assistiam Bonanza, Combate, Caravana e outros.
Nunca imaginou que um dia diante dos filhos que viriam viveria a mesma espécie de distanciamento que causava. Nunca reparou na imensa solidão do pai, que permanecia sentado na varanda, enquanto ele tocava alto na vitrola os The Beatles. Tampouco tivera qualquer interesse em ouvir uma composição de Zequinha de Abreu, uma canção interpretada por Nelson Gonçalves ou Vicente Celestino, ou Ângela Maria.
Hoje, aos domingos, está no sofá se remoendo de saudades enquanto o filho ouve Rap o dia inteiro.
Desenigmatizando a vida sempre esteve, porém nunca prestou atenção e na maioria das vezes a atenção só é valorizada tardiamente. Talvez a vontade tenha sido sempre exígua para com as novidades da vida e o acomodamento tenha se tornado um trunfo.
Viver covardemente e disfarçar a covardia: talvez tenha sido a fórmula eficaz para o agir ruminante que ele, como uma boa rês, soube aproveitar, enquanto se transformava heroicamente num quadrúpede.
Hoje imita o velho pai, esbravejando inutilmente nos finais de semana, quando a Vitória está no chuveiro.
Tudo o que fala sobre o desperdício da água não passa de um palavreado sem efeito, tal como naqueles dias fazia o pai, quando proferia enormes discursos sobre o desperdício de comida, só para estragar o domingo dos filhos, que não viam a hora de sair para a rua e encontrar os amigos que forneciam a chance de conversas interessantes, longe da casa de gente velha e ranzinza.
Com a Vitória a mesma coisa. Ouve com encantamento o discurso do namorado: -Velhos não mudam. O meu também, só fica reclamando. Será que eles não vêem que o mundo é da juventude?

MARCIANO VASQUES
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