A polícia brasileira, em especial a militar, que tanto matou e torturou na ditadura, mostra-se competente como nunca: agora mata sequestrador e refém sem dó nem piedade.
Ele, o assaltante que vira raptor por causa do cerco da polícia e que vê seu assalto virar show pela TV, é morto asfixiado dentro de um camburão fechado. A refém, professora de artes plásticas para crianças carentes da favela da Rocinha, é morta justamente quando acha que o "pesadelo" de fim de tarde havia acabado. O policial de elite que a matou, e que mostrou tamanho despreparo, não foi prestar depoimento alegando "problemas de saúde". A saúde, no Brasil, é o alibi certeiro das atrocidades oficiais.
Há quem diga que a polícia é incompetente. Certo, mas isso já foi falado há mais de vinte anos e nada, como prova este episódio, mudou muito. E a mídia, novamente, repete esta obviedade e nega a causa à sociedade.
Algo deve estar errado quando um Zé-Ninguém resolve assaltar um ónibus, é cercado pela polícia, é cercado pela imprensa, e, assim, acoado por toda esta pressão, transforma o roubo em sequestro e os passageiros em reféns. Algo deve estar muito errado quando este pobre diabo, já numa situação como essa, transmite ao país inteiro que vendeu a alma ao diabo por R$ 1 mil e duas granadas. Eis que isso retrata, no melhor dos casos, uma situação de desespero, de convulção social.
Qualquer coincidência com o senhor que assaltou um banco, indignado com a festa que a D. Vera Loyola deu ao seu cachorro puddle - que, diga-se de passagem, custou caro - é um delírio terceiromundista, pura metafísica. Mas é de filosofia e metafísica que o mundo anda, logo, a analogia é perfeita, e, assim, caminhamos contra o vento.
Há quem diga, então, que a polícia deveria ter matado o pobre homem enquanto ele desfilava, nervoso e irritado, pelo ónibus. Sustentam, esses, que o resgate era inviável. Tomam, infelizmente, e sem saber disso, a mesma atitude que a polícia militar/política dos anos de chumbo tomava: atira e depois confere. Recíprocamente lamentável.
Algo na ordem está errado: tivemos um Zé-Ninguém assassinado por trás das càmeras pela polícia que continua terrorista. Algo de errado com o progresso: andam vendendo a alma por aí a preço de banana. Nada de errado com a nossa "positiva" sociedade.
Há algo de estranho nisso tudo.
Felipe Lenhart
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