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Cronicas-->CARROSSEL -- 11/01/2003 - 22:16 (José Renato Cação Cambraia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CARROSSEL

Almeida, o mordomo, pegou o telefone sem fio sobre a mesinha de canto da sala sem se levantar do sofá. Com a outra mão, abaixou o volume da televisão através do controle remoto. Pegou o catálogo telefónico da cidade e anotou o telefone do açougue no topo de um papel enquanto ria de uma cena do filme "Férias Frustradas II", que passava na sessão da tarde. Depois que a cena acabou, digitou o número copiado. Após três toques, uma simpática voz feminina atendeu.
- Aló?
- Oi, boa tarde... é da Casa de Carnes Palmolive?
- Não... acho que você ligou errado...
- Ah, desculpa....
- Por nada...
Almeida olhou novamente o telefone na lista e percebeu que havia anotado um três ao invés do dois. Sem corrigir sua anotação, ligou novamente e conseguiu encomendar um quilo de linguiça e um quilo e meio de picanha cortada em fatias grossas e meio quilo de asas de frango.

Maísa estava ansiosa. Havia conhecido Túlio, o seresteiro (foi assim que ele se apresentou, não dizendo à garota que era limpador de piscina) na noite anterior, na lanchonete "Cometa". Ele devorava um cheese egg acebolado enquanto ela tomava um suco de manga com as amigas. Depois de algumas trocas de olhares, acabaram a noite conversando sozinhos sentados num muro. Maísa já havia ficado com outros caras, já sabia mais ou menos como os jovens machos são preocupados em impressionar seus próprios amigos, fazendo coisas que nem sabem ao certo se concordam ou não. Mas esse Túlio foi meio diferente, comportou-se de forma madura e original. Túlio prometera ligar na tarde seguinte, "lá pelas quatro horas, pra gente combinar de pegar um cineminha". Eram quatro e quinze, e por isso ela estava ansiosa.
De repente, o telefone toca. Maísa espera o telefone dar uns três ou quatro toques (coisa de mulher) e atende, com uma voz meiga, porém simpática.
- Aló?
- Oi, boa tarde... é da Casa de Carnes Palmolive?
- Não... acho que você ligou errado... - ela disse, decepcionada.
- Ah, desculpa....
- Por nada...
Maísa desliga o telefone e deita no sofá. Assiste um pouco do filme que passa na sessão da tarde, "Férias Frustradas II" sem prestar atenção.

Túlio ouve pacientemente as instruções de "seu" Omar pela milésima vez sobre como passar o aspirador na piscina. Seu Omar é um velhote que tem fama de manter a casa espetacularmente limpa e arrumada. E tem rígidos critérios para a passagem do aspirador. Túlio já sabe, mas toda semana seu Omar aparece com a mesma história. Hoje Túlio está com pressa, pois disse a Maísa que ligaria "lá pelas quatro". Túlio se recordava da noite anterior, quando, ao acompanha-la para casa, comportou-se com um galante personagem de filmes da sessão da tarde. A tática funcionou, e aquilo de dar somente um beijo de boa noite pareceu ter pegado bem. Mas o velhote não parava de falar, e já eram quatro e quinze.
Então Túlio ouviu a voz do Almeida, o mordomo do seu Omar, dizendo que já havia encomendado a carne para amanhã. Seu Omar perguntou ao mordomo se ele havia dito se os bifes deveriam ser cortados com dois centímetros e meio de espessura, conforme indicado na revista "Barbecue News". E ambos foram checar os equipamentos da churrasqueira, que era feita na Argentina e custou setecentos dólares. Túlio terminou rapidamente de passar o aspirador, guardou o material, montou na sua bicicleta Caloi Montana e correu para casa.

Seu Omar olhou novamente a lista preparada pelo mordomo e achou que a quantidade de linguiça era pequena demais. Seus netos adoravam aquela linguiça, levemente apimentada e de pura carne de porco. Resolveu ele mesmo ligar para o número que estava escrito na frente da palavra "açougue", no topo da lista de cento e quarenta e nove itens relacionados ao churrasco de amanhã. Depois de dois toques, a voz de uma jovem atendeu apressada.
- Aló?
- Olha, eu queria acrescentar alguns itens no meu pedido feito agora há pouco...
- Mas acho que..- a voz tentou interromper, mas o seu Omar era meio surdo.
- Eu pedi um quilo de linguiça, mas eu queria um quilo e meio, então você me faça o favor de acrescentar aí, mocinha e outra coisa, se vocês tiverem carvão, me mandem um saco de quatro, não, acho melhor de seis quilos que é pra não faltar...
- Olha, meu senh....
- E tem outra coisinha, você pode achar que é frescura, mas qual a espessura do bife da picanha? Diga ao açougueiro para regular a máquina para dois centímetros e meio, tá bem minha filha, que é pra carne assar direitinho e não tostar nem ficar crua demais, a gente tem que prestar atenção nessas coisas, pra ficar bom mesmo...
- Mas aqui nã...
- Olha, acrescenta aí mais meio quilo, não, trezentos gramas de tulipinha, que minha nora gosta muito e eu só pedi asinha, e a gente tem que tratar bem a nora, senão ela não traz os netos aqui, os moleques adoram a piscina, sabe? Ficam o dia inteiro na água, até a pele ficar enrugada...
A conversa durou pouco mais de dez minutos. Maísa pensou em desligar, mas ficou com pena do velhinho e depois conseguiu explicar que era engano. Mesmo assim, a conversa ainda se prolongou por mais um tempinho porque o seu Omar insistiu para que Maísa fosse no churrasco, o que ela declinou com educação.

Túlio jogou a bicicleta no quintal e entrou correndo em casa. Esbaforido, correu até o telefone e discou o número anotado. Uma voz feminina atendeu.
- Aló?
- Aló, da onde fala, por favor?
- Casa de Carnes Palmolive, Andréia...
- Ah, desculpe, foi engano.
Olhou novamente o papel e viu que, na pressa, tinha discado um dois ao invés do três. Ligou novamente e o telefone deu ocupado. Já eram quase quatro e quarenta. "Droga", pensou. Esperou cerca de trinta segundos e ligou novamente. Ocupado. Ligou a televisão e ficou assistindo o filme da sessão da tarde sem prestar atenção. Já havia visto umas cem vezes "Férias Frustradas II". Túlio ligou mais doze vezes nos dez minutos seguintes, mas o telefone da Maísa só dava ocupado. Levantou-se, correu até a bicicleta e saiu de casa.

Andréia, a bela morena que trabalhava na Casa de Carnes Palmolive, viu Túlio saindo da casa em frente e o chamou. Os dois já se conheciam há algum tempo, pois a mãe do Túlio era freguesa do açougue.
- Foi você que ligou aqui agora há pouco?
- Foi, eu disquei errado...
- Ah, sei....(descofiada) olha, eu sei que a gente se conhece pouco, mas eu queria pedir uma coisa....
- Por você, qualquer coisa! - disse, com ar provocante.
- Você não quer ir ao cinema comigo hoje?

Túlio se lembra dessa história até hoje, vinte anos depois. O que teria acontecido se ele tivesse feito uma escolha diferente? Com certeza sua vida teria sido outra. Talvez hoje estivesse com uma das duas, ou talvez não. Mas cada vez que o Túlio pensa sobre isso, tem mais certeza que ter fugido para esse tranquilo mosteiro budista no extremo norte do Tibet foi a melhor coisa que poderia fazer naquela situação. E pós-se a meditar. "Ohmmmmmmmmm....."


Renato Cação Cambraia adora situações que estimulem a curiosidade alheia, talvez por ele mesmo ser um curioso inveterado.
A SEMANA/BECO33 -
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