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Contos-->VAGINA -- 03/06/2003 - 23:21 (Barbara Amar) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dizia-se que Wanda era uma criatura bafejada pela sorte. Surgida do nada, gostava de se encobrir sob denso véu de mistério, mais um elemento a incrementar seu inegável encanto. Bela e inteligente, ocupava um cargo de chefia numa empresa de Auditoria Financeira em reconhecimento à sua notória competência.
No universo machista, a figura olímpica dessa criatura desafiava aos cânones pré-estabelecidos de que mulher bonita é sinônimo de burrice, só ascendendo profissionalmente graças a favores sexuais. Era ela a antítese dos pontos negativos que gerações de machos arrogantes seguem propagando contra o sexo feminino.
Séria e reservada, sabia como se impor contendo com gélido olhar os irrefreáveis garanhões. Alguns, por puro despeito, chegaram a insinuar que fosse homossexual. Engoliram em seco quando a viram acompanhada, nas festas de final de ano, por um dos mais disputados partidos da sociedade e, ressalte-se, másculo a ponto de desencadear frenéticas vibrações nos clitóris presentes.
- Meu namorado, apresentou, toda orgulhosa.
Paulo César S. de Souza, famoso celibatário, ainda não atingira os quarenta anos e já presidia uma renomada firma de propaganda e, pelo que se pôde deduzir, estava deslumbrado pela formosa Wanda.
- Puxa, que mulher de sorte, comentou uma funcionária. Essa é daquelas que nasceram com o bumbum voltado pra lua.

Wanda morava sozinha em um quarto e sala, no final do Leme. Muito discreta, jamais levava os namorados para casa, mas com Paulo César as coisas fugiram ao seu controle. Amando pela primeira vez, portava-se como adolescente ruborizando-se à toa e sofrendo crises de choro incompreensíveis. Até no escritório mudou sua conduta. Irradiava uma certa dispersão. A secretária chegou a surpreendê-la, em repetidas ocasiões, a devanear com os olhos semicerrados em sua elegante poltrona giratória. A todos parecia mais meiga, mais feminina, frágil. Ela própria percebeu sua incapacidade em conter o tumulto que abalava seu mundo interior. Preferiu pedir férias, prontamente concedidas.

Paulo César não conseguia entender a transformação sofrida na personalidade da mulher que tanto o maravilhava. Quando estavam a sós mostrava-se diferente, seu comportamento beirando as raias da neurose. Ora insegura, lembrando uma virgenzinha cheia de não me toques; ora acometida por estonteante lascívia oferecendo-lhe o pequenino anel róseo resguardado por belo par de nádegas – dois globos altivos, a mais perfeita concepção de um artista enamorado.
Ávida, o acolhia na boca como se lhe quisesse sugar a alma. No dia seguinte, fria e contida, evidenciava o arrependimento da própria lubricidade.
O pior de tudo, e isto enlouquecia Paulo César, é que ainda não conseguira ter uma relação sexual completa com a amante.
- De hoje não passa, prometeu a si próprio.
A sorte aparentemente estava a seu favor, pois ao adentrar o apartamento surpreendeu Wanda no chuveiro. Despiu-se, rápido e, para seu espanto, a moça não resistiu quando a deitou no leito. Passiva, aceitou seus carinhos até ele recuar assustado:
- O que é isto?
- É isto mesmo que você está vendo, respondeu aparentando tranqüilidade.
- Mas .... mas isto é uma anomalia. É uma aberração!
E de repente, transtornado, a esbofeteou:
- Porra, você é um travesti!
Em prantos, ela respondeu:
- Não. Sou mulher.
- Como mulher, caralho?
Fora de si, Paulo César desfiou uma série de palavrões ameaçando-a com o punho.
- Pára. Por favor, não me bate. Me deixa explicar.
Ele reteve a mão no ar, olhando-a com desprezo.
- Sou mulher, você já me viu nua. Wanda falava devagar, controlando-se e reprimindo o choro. Meu único problema é que nasci sem vagina. Também não tenho ovários nem útero. No lugar dos ovários havia testículos atrofiados. Mas não tenho pênis, portanto sou MULHER. Estava juntando dinheiro para me operar, pois a primeira cirurgia só me removeu os testículos. Algo saiu errado, não sei, eu era criança, acho que não souberam construir uma vagina em mim. Faço reposição hormonal e, claro, jamais terei filhos. Desde pequena fui criada como mulher, penso como mulher e conforme já lhe expliquei sou mulher.
Ela discorria sobre o assunto quase de forma profissional. Por que estigmatizá-la se os médicos foram incompetentes?
Paulo César não tinha palavras para expressar sua decepção. Sentia-se frustrado. Pior: fraudado. Deu-lhe as costas e se vestiu. Emudecido e sempre de costas, retirou-se do apartamento. E da vida de Wanda.
Nua, ela se deixou ficar imóvel na cama, com o olhar vazio, sem lágrimas.


Dois anos depois voltaram a se encontrar numa festa, no consulado inglês. Ele, coisa rara, estava sozinho e ela casada. Seu marido dirigia uma firma de Auditoria Financeira em Londres, sua cidade natal. Alto, louro e magro fazia o tipo europeu, não se podendo considerá-lo um homem bonito. Wanda sim, parecia uma beldade internacional encantando a todos - homens e mulheres; o ponto para onde convergiam todas atenções.
Paulo César dirigiu-se a ela logo que a viu só. Esperara a noite inteira por aquela oportunidade.
- Boa-noite, Wanda. Podemos conversar?
A moça levantou discretamente as sobrancelhas, surpresa.
- Queria lhe pedir desculpas por aquele dia.
- Tudo bem, replicou, a fisionomia cérea.
- Você está mais linda que nunca. Seu marido é um felizardo, parabenizou-a, sem disfarçar o olhar cobiçoso.
Enigmática, limitou-se a sorrir.
- Deduzo que tenha se operado em Londres. Enquanto falava ele a imaginava em seus braços, de volta para sua cama.
Wanda o fixou com seus olhos graves. Olhos que não vacilavam, olhos capazes de devorá-lo e absorver sua virilidade. Uma ligeira sensação de desconforto o acometeu, logo substituída por alívio e relaxamento ao reencontrar a ternura no olhar da ex-amante. Sentiu-a meiga, como sempre fora. O ciclone já havia passado, era hora de aproveitar a calmaria.
- Não, Paulo César. Não me operei. Meu marido gostou de mim assim mesmo, desprovida de vagina. Para ele sou peça rara, nunca uma aberração. Ele me vê como os antigos diante de algo extraordinário: uma espécie de deusa a ser reverenciada, portadora da fortuna e da felicidade.
Atônito, ele empalideceu. Ainda tentou dizer alguma coisa; não conseguiu.
Foi a vez dela dar-lhe as costas, não sem antes brindá-lo com seu sorriso luminoso. De Deusa.

29/05/03


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