O meu professor de matemática era etéreo. Apesar de sólido corpo , pequenino e meio atarracado, vivia levitando pelos corredores do INSTITUTO DE EDUCAÇÃO, com seu avental branco, esvoaçando atrás de si.
Espantava a minha meninice aquela mistura um tanto mágica de quem lida com os números como se fossem acordes de uma sinfonia.
Postava-se ao canto esquerdo da lousa e desfiava equações, frações, problemas, com a leveza e a harmonia de um maestro que rege uma orquestra. Os números se encaixavam e tudo combinava direitinho. Até os àngulos, que me pareciam tão retos, obtusos, sem emoção, eram medidos, equacionados e transformavam-se em poemas, nas pontas de seus dedos.
Sempre fui fascinada pela língua: ela solta-se ao meu comando , salta do meu coração , volteia, escapa e se transforma em sonetos, histórias, Cronicas...
Mas...os números...! Ah! Os números...que dificuldade com eles! Da leveza sinuosa e fácil que o professor traçara na lousa, travava-se em minha folha de papel e ali ficava sem resposta. Tentava lembrar-me dos movimentos que o mágico mestre fizera a seguir, para que tudo corresse como estrelas, jogadas no céu...
Mas, ai! O lápis não corria , sentia que o meu coração não estava nos números e sim nas letras, então, recusava-se a delinear a farsa , que eu tentava colocar sem sucesso no papel.
E lá vinha o professor e com que presteza , gentileza, bondade, que só os poetas dos números e as grandes almas podem ter! Vinha e chegava de mansinho para não assustar o passarinho assustado, que ansiava pelos primeiros vóos fora do ninho. Com calma, leveza e amor, transformava o lápis emburrecido, obtuso em uma batuta mágica que singrava pelo mesmo papel , que minutos antes me recusara; e lá iam...ambos, lápis e papel sob a regência do maestro , desempenhar mais uma vez a maravilhosa equação, chamada Vida, cujo resultado evoluía de uma alma simples, de um simples professor , que com apenas meras ferramentas: giz, e lápis conseguia se transformar no mágico, no transcendente ser da minha infància, que conhecia os números e jogava com eles como se joga bolinhas de gude pelo chão ou pelo céu!
(Minha homenagem ao Seu Linneu, pequeno grande homem, alma nobre, espírito elevado) |