Mente é identidade
— um fardo de nomes e fatos,
é a trivialidade
— parte dos sentidos latos.
Mente é a pobretona
que obnubila a graça,
sentindo-se como dona
do Ser, que não a rechaça.
Sempre pensando em tudo,
é incapaz de parar;
causa aflição ao mudo,
e ao surdo que falar.
Todos sofremos com ela,
é dada como normal.
Faz-nos de cera, qual vela,
queima o que é vital.
Ela cria um eu falso,
projeta sombrio medo,
quer pra nós um cadafalso,
quer nos matar bem mais cedo.
Seu ruído incessante
nos impede de achar
nossa graça mais marcante,
para nos iluminar.
Graça é serenidade
das profundezas do Ser,
que nos dá a liberdade
pro verdadeiro viver.
O pensador compulsivo
isola-se em seu mundo,
seu estado aflitivo
cria problemas no fundo.
Fragmentando sua mente
em progressiva escala,
não se religa ao Ente,
ao Ser que não se abala.
Estado de plenitude,
a graça na unidade
é a mais pura virtude,
a paz na realidade.
Ao Universo ligada,
e a um eu mais profundo,
forma uma só camada
pra um viver mais fecundo.
A iluminação
não se reduz a findar
com toda a aflição
que vem do nosso pensar.
Ela quer mais: nos livrar
da escravidão terrível
de incessante pensar,
nos levar pra outro nível.
Se nós pensarmos somente,
criamos tela opaca
e até mui consistente
que nos venda, à socapa,
com rótulos e conceitos,
imagens e julgamentos,
dicas, frases de efeitos,
que impedem ligamentos.
Essa tela se situa
entre você e o Eu
que você pouco cultua,
essência que Deus lhe deu,
entre você e o Todo,
que muitos chamam de Deus,
e separa, qual um rodo,
você dos recursos seus.
Não nos lembramos do fato
abaixo das aparências,
que além de um regato
existe o mar das essências.
Oceano e regato,
Indivíduo e Ser
formam sagrado legato,
não podemos esquecer.
Crer mas não reconhecer,
não sentir tal Unidade,
impede-nos de viver
em maior realidade.
Pensar tornou-se doença.
Tudo que desequilibra
não sabe mais da presença
da graça que em nós vibra.
Usada de modo certo,
a mente pode ser um meio
admirável pro desperto
manter-se são, sem enleio.
Quando mal utilizada
torna-se mui destrutiva,
toma direção errada
e provoca recidiva.
Aliás, você não erra,
pois nem a usá-la chega,
ela é que lhe emperra,
é a doença, ofega.
Você pensa que é ela,
que só ela lhe conduz,
delírio que esfacela
o menor raio de luz.
Submissão despercebida,
contínua escravidão,
o pensar faz a ferida
como algema na mão.
A liberdade começa
quando a mente não rege;
o pensador é só peça
que observamos, em frege.
Observar o pensamento
de um nível bem mais alto
dá consciência, evento
de inteligente salto.
Pensamento observado
nos permite perceber,
em nível mais elevado,
nosso elo com o Ser,
nossa graça, a beleza,
o amor, melhor criar,
a alegria, a sutileza
da paz a nos amoldar.
Veja a seguir:Usina do inconsciente