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Cronicas-->Reich, o garoto e a polícia -- 28/07/2000 - 00:26 (felipe lenhart) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eu só escrevo à noite, o que é um defeito. Mas é que só me bate inspiração, ou saco para escrever, quando caí as trevas. Eis que estou ali, na frente do computador, noite dessas, quando ouço um grito de choro de uma criança. Estremeço. O grito carregava consigo o pavor e a súplica. Me espanto.
Chovia. Não, como diria Brás Cubas, peneirava. Mas o importante é que ouvi o grito, o que, volto a repetir, me espantou. Nunca, nestas perdidas noites atrás das palavras certas, havia ouvido algo parecido. Batida de carro, briga de bêbados, ambulància, briga de gatos, carro dos bombeiros, tudo, mas nunca um grito sofrido como aquele.
Fui à janela e espiei pela persiana. Nada, só o leve barulho da chuva caindo no fino alumínio da janela. Abro a porta da sacada, curioso, e olho a rua, perspicaz. Nada, nem um movimento. Até que, quando estou entrando novamente para dentro de casa, o grito se repete, só que agora mais alto.
Olho para o começo da minha rua, meio que escondido atrás do pilar da sacada, temeroso. Gerofléxu - acho que é assim que se escreve o nome daquela luz que tem em cima do carro da polícia - sim, uma viatura estava parada no começo da minha rua. Algo de sinistro acontecia e eu, até o momento, ignorava. Súbito, outro grito, e minha visão encontra, mais ao lado, dois policiais e uma criança. Um deles segurava o menino, me pareceu, e o outro o espancava, e os gritos vinham cada vez mais baixos, pois o garoto já chorava bastante. Um dos policiais lhe dizia obcenidades, enquanto o outro lhe surrava. Chuva, noite, repressão, dor: num lapso, me lembrou o MST.
_O que é isso? gritei, raivoso e indignado, da minha longínqua sacada.
Eles não deram nem bola, mas foram embora. Colocaram o garoto no banco de trás da viatura e foram. Antes de entrarem, vi e ouvi um deles, o que estava com um casaco na mão, comentar ao companheiro: "ele não tava com este casaco, tava com outro, só agora que ele tava com esse". Assalto, pensei.
Mas, agora, pensando uma, duas, três e sempre pensando muitas vezes, chego à conclusão de que foi bom que pegaram o garoto. De repente assim ele toma jeito e vê que não é uma boa sair roubando por aí. Ingênuo, não? Que bobagem...
Mas de algum modo eu me vinguei dos covardes policiais e seus obscuros métodos de repressão: quando a viatura deu partida, um pouco depois do meu brado retumbante, começou a descer minha rua, lentamente. Lembrei-me, então, do Analista de Bagé, do Veríssimo, e do Reich, aquele da psicologia: dei um cuspe violento no carro que passou logo abaixo do meu nariz.
E assim foram eles: a criança (possivelmente) chorando e respondendo à perguntas, e os dois guardas lhe enchendo os ouvidos com lições dos bons costumes, ou a cara de tapas, que é pior. E junto, confortavelmente, foi o meu orgulhoso cuspe, bem em cima do gerofléxu, ou seja lá o que for.
Voltei a escrever, tranquilo mas impressionado.

Obs: Reich, segundo o Analista de Bagé, freudiano de carteirinha, é prenúncio de cuspida.

Felipe Lenhart
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