O garoto era considerado um craque pela sua família e pelos vizinhos. Chutava bem com os dois pés, cabeceava, tinha excelente visão de jogo, enfim, apontava para um futuro promissor.
O pessoal da favela do Capanema achava que em breve ele iria para a escola do Colorado, time que mais tarde virou Paraná Clube na fusão com o Pinheiros. Os pais acreditavam que se o menino tivesse futuro no futebol a vida poderia ser mais difícil.
A família era composta por nove pessoas, sendo que a ocupação principal deles era catar papel nas ruas de Curitiba. Esse tipo de trabalho começa por volta das cinco horas da madrugada e termina de madrugada. Quem conhece a realidade dos catadores de papel sabe quantos riscos eles correm empurrando aqueles carrinhos, que chegam a pesar duzentos quilos, valendo ao final do dia uns vinte reais no máximo.
No dia marcado, lá foi o futuro craque Espigão para fazer o teste. Mais de quinhentos garotos estavam inscritos para a peneira do clube, que investia muito nas categorias de base.
Por volta das onze horas o garoto teve a chance de entrar em campo. Seu estómago vazio, o nervosismo da triagem e a sensação de poder jogar no time do Colorado o deixaram inseguro. Cada partida durava dez minutos. A maioria dos garotos saía cabisbaixo ao final dos testes, muitos chorando, alguns com raiva. Espigão acreditava no seu potencial, mas estava se sentindo mal naquela sexta-feira.
O técnico do Colorado já ouvira falar do piá, mas seu papel era demonstrar ceticismo para com todos os candidatos. Iniciou a partida, e logo aos dois minutos, Espigão recuou para ajudar a defesa e marcou um gol contra. Nervoso, começou a driblar, fez bons lançamentos, sofreu até um pênalti.
O técnico simpatizou com o estilo do atleta. Escalado para a cobrança da falta, Espigão correu e chutou para fora. O técnico, seguindo a praxe, pediu ao guri para esperar após o treino. Espigão saiu do campo com os olhos marejados, baixou a cabeça e se retirou sem esperar o técnico.
Passou no bar do Polaco, pediu um gole de pinga e foi para casa. O técnico ficou procurando o atleta entre os pré-selecionados para as categorias inferiores, mas para sua decepção acabou por desistir.
Espigão criou ànimo, passou na casa de um vizinho e catou seu carrinho, indo ao centro para apanhar os papéis das lojas da rua Doutor Muricy. O técnico do Colorado em vão o procurou mais tarde na favela, mas o rapaz não quis saber mais do assunto. Virou catador de papel por causa do pênalti perdido.