Rolando e Ronaldo não nasceram para ser amigos, embora suas mães e pais fossem irmãos. Fruto daquelas relações saudáveis que envolviam seus avós, vizinhos e compadres de longa data.
Rolando era filho de Clarice com Gilberto. Ronaldo era filho de Cleonice com Gerson.
Clarice e Gerson eram filhos de dona Berenice e de seu Clemilson, padeiro.
Gilberto e Cleonice eram filhos de dona Marion e seu Roberto, verdureiro.
Um dia os pais acharam que seus filhos não deveriam ficar namorando gente estranha e fizeram o grande casamento. Que festão. Tinha pão, verdura, fruta, um boi e muitas galinhas no extenso terreiro da igreja. E dê-lhe baile a noite inteira.
Uns dois anos depois, no dia de Nossa Senhora, Clarice e Cleonice pariram os garotos, numa noite de intensa chuva, com raios medonhos de se ver, terra tremendo e mulheres rezando para a tempestade passar.
Os meninos começaram a se espezinhar desde pequenos, e toda junção terminava em briga, o que aborrecia os pais. Parecia que se odiavam.
Algumas brigas eram mais violentas. Terminavam em sangue e cicatrizes. Nunca havia vencedores, apenas pais aborrecidos pelas contendas sucessivas.
Na escola os garotos tiveram que ser colocados em salas distintas, mas brigavam sempre no recreio, culminando com a transferência de Ronaldo para a escola de outro bairro.
Aí ele esperava o primo na porta da casa para brigarem, deixando toda a família agoniada. Não teve padre, benzedeira ou pastor que desse jeito na coisa, que rolou por toda a adolescência, indo parar nos campos de futebol.
Rolando era goleiro do Cruz Vermelha. Ronaldo, zagueiro do Cruz Azul, times do subúrbio carioca, onde a pelada sempre revelou craques.
Quando os times se encontravam, sempre havia confusão. Ronaldo aproveitava lances de escanteio para tentar cabecear, sobrando sempre um cotovelo para o goleiro e uma joelhada para o zagueiro, que chutava muito forte.
Um dia, de tempo feio, quase chovendo, surgiu um duelo mais importante, semi-final do varzeano.
Empate no tempo normal, decisão por pênaltis. Frente a frente os primos rivais.
Após várias cobranças, situação indefinida. Ronaldo bateu a penalidade decisiva. Rolando levou uma bolada na testa, destruindo a massa encefálica, mas evitou o gol.
Ronaldo foi preso por homicídio. O delegado achou que houve premeditação no lance. Ronaldo sorriu, apesar do Cruz Azul ser desclassificado. Rolando morreu como herói, num campinho de pelada.
|