O avião da Varig desceu suavemente pela pista do aeroporto Salgado Filho. Fui lentamente para o setor de desembarque. Das janelinhas eu não reconhecia mais nada e garanto que a cidade não se lembrava da última vez em que lá estive.
Depois de vinte anos sobraram poucas pessoas capazes de saber quem eu era naquela multidão que se esgueirava no setor de bagagens, aliás, na cidade toda.
Na última passagem da mala pela esteira sobraram as minhas bolsas e as de uma mulher de quase cinquenta anos. Julguei que seu rosto era conhecido.
Sem muita coragem visualizei sua face levemente transformada pela idade e reconheci aquela fresquinha de São Gabriel, cidade de estrutura agrícola do interior do Rio Grande do Sul, mais famosa por ser berço de incontáveis marechais do exército brasileiro .
Refleti sobre o destino estranho, que resolveu reunir duas pessoas que se conheceram há mais de quarenta anos e somente uma delas ter consciência disso.
Eu a reconheci porque continuava com aquele jeito de cheia que ela sempre teve, além de ler a identificação na plaquetinha de sua mala importada, dessas que a aristocracia económica arranja em lojas de Londres.
Ela nem reparou em minha presença, além do que, havia a diferença do cabelo para me deixar anónimo. Fui puxar conversa, mas ela para impressionar falou em alemão com o funcionário que passava por ali. O pobre ainda respondeu em inglês, mas ela simulou não entender.
Cantei um trecho de uma tertúlia em tom baixo e ela percebeu que não me enganava, mas ficou com aquela pose de madame por mais um instante.
Lembrei da música do Gaúcho da Fronteira e da guria de Uruguaiana que foi aos states, mas fiquei quieto.
Num sotaque forçado ela pronunciou algo como eu estar fora muito tempo e eu acenei como se compreendesse o fato.
Segui-a até um táxi e então esperei que ela embarcasse no veículo. Quando o motorista ia arrancar pronunciei seu nome depois de um tchau. A fresquinha me respondeu num relance de olhos sob óculos de grife italiana: aufidersein Hamilton, a big kiss for you.
