O garoto sentou na calçada, para espiar o movimento dos automóveis. Logo passou um da polícia, com sirenes, homens fardados, atirando num outro carro, de onde veio a sensação quentinha, junto com o sono e a escuridão.
Todos os dias Lindolfo sentava na calçada para contar os carros, observar os mais bonitos, e depois contar ao seu avó, que ficava na varanda, acompanhando o desenvolvimento do menino, que possuía grande memória. O velho Rover gostava de ver o entusiasmo do menino com o carro dos bombeiros, que era o mais chamativo.
O guri improvisava algo e dizia que ia salvar as pessoas, ajudar quem estivesse fugindo de um fogo qualquer.
Lindolfo gostava também dos caminhões, cheios de coisas estranhas, mas os de mudança eram divertidos, com aqueles móveis espalhados e as crianças distribuídas nos cantinhos.
Tinha o caminhão do gás, que trocava botijões e alegrava as donas de casa, e os do Exército, que passava cheio de recrutas que davam tchau para a sua irmã.
Lindolfo contava para sua mãe, que ficava braba com o assanhamento dos homens.
A ambulància era barulhenta, e um dia levou sua avó, que não voltou mais do hospital. Embarcou num grande carro preto, com gente chorando por todos os lados. Um carro muito triste.
O caminhão de frutas era legal, e de vez em quando o garoto ganhava alguma coisa, como sinal de amizade do motorista, que tinha dois filhos da mesma idade.
O velho Rover era testemunha das aventuras do menino, que sonhava com um mundo enorme, tentando descobrir para onde iam os veículos, as pessoas, a história de cada um deles, limitada aos bailes e aos interesses gastronómicos.
O velho Rover ficava sentado uns quinze metros para trás, na sombra da sacada da pequena casa, onde a família composta por seis pessoas levava seus dias.
Além de Lindolfo havia a Juliana e o Marcelo, que preferiam ficar atrás da televisão, assistindo todos os desenhos da tarde.
Lindolfo achava a televisão entendiante e calculava quanto tempo os automóveis levavam para chegar à avenida, que ficava a uns duzentos metros depois da casa.
O mundo dos automóveis e caminhões era cheio de fascínio, com todos os modelos e cores possíveis para o mundo limitado do guri, motorista de todas as marcas.
O mundo de Lindolfo e do mestre Rover eram aqueles dias, que desabaram no tiro perdido, numa tarde boba de quarta-feira. Lindolfo nunca mais acordou, e o velho Rover morreu de desgosto. |