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Artigos-->LEMBRANÇAS DE TIMOR-LESTE -- 08/12/2022 - 16:29 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 

LEMBRANÇAS DE TIMOR-LESTE

L. C. Vinholes

24.112022

 

Nas minhas andanças por países dos cinco continentes, as que me permitiram ter ficado sensibilizado foram as das visitas a Dili, capital de Timor-Leste. Lá estive em duas ocasiões na companhia do engenheiro consultor Marcio de Paula Fernandes e Sandro Moreira Alves, especialista em TI, com os quais foram implementados os dois cursos promovidos pela Agência Brasileira de Cooperação do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, para funcionária(o)s de instituições governamentais indicada(o)s pelo Governo timorense: Curso de Concepção e Elaboração de Projetos de Cooperação para o Desenvolvimento (CEProDe), entre 12 e 16 de abril de 2004, e o Curso de Análise e Enquadramento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional (ProCTI-MAE), na segunda quinzena de setembro do mesmo ano. A implementação destes cursos contava com a promoção da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e apoio do Ponto Focal de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores de Timor-Leste.

Embora as viagens para o coração da Oceania, estivessem entre a mais longas e demoradas - saindo de Brasília e passando por Santiago do Chile, por Wellington na Nova Zelândia, por Sidnei e Darwin em solo da Austrália -, o período de permanência em Dili era de nove dias. Tanto indo quanto voltando, ficou como lembrança marcante a travessia sobre o Mar do Timor, entre Darwin e Dili, no pequeno, mas confortável avião de passageiros fabricado pela Embraer, o pioneiro Bandeirante, desenvolvido pelo Centro Técnico Aeroespacial.

Os cursos eram intensivos e o tempo livre era curto demais e dele se tirava o maior proveito. Nos intervalos e no final das tardes, contemplávamos não só a paisagem de natureza exuberante, mas também as ruínas de tempos pretéritos, provas que permaneceram documentando um período difícil vivido pelo povo timorense.

Visitamos o pequeno mercado com produtos básicos e artesanato e conversamos com vendedores ambulantes e com populares que se mostravam curiosos quando ficavam sabendo que éramos brasileiros. Nas águas do Mar do Timor que banham aquela costa, viam-se carcaças de embarcações aparecendo sobre as águas; canhões de superfícies azinhavradas, preguiçosamente escorados nas muretas como que espiando o horizonte; e, ainda, com destaque, um velho navio de passageiros, estacionado permanentemente, com seus espaços de lazer distribuídos em sua proa, aproveitados por esporádicos visitantes. Tirei muitas fotos que permitem que se possa recordar, com bastante exatidão, tudo que foi visto naqueles momentos e tudo que imaginei e pensei sobre a história e o futuro daquele país.

Na visita de abril, fiquei impressionado com a dedicação e o afinco com que os timorenses se entregavam ao trabalho de recuperação do seu passado livre e da sua auto-estima. Era marcante a camaradagem entre eles, cooperando uns com os outros para superarem os diversos obstáculos que enfrentavam, discutirndo e apresentando sugestões nos exercícios práticos. Isso se fez sentir no momento das apresentações das tarefas diárias quando a(o)s apresentadora(e)s tinham dificuldade de expressão e eram acudida(o)s pela(o)s  companheira(o)s com maiores recursos da língua portuguesa.

Tive oportunidade de conversar com participantes da área da educação e ensino e notei o quanto ainda necessitavam do nosso apoio. Sabem dos objetivos a serem perseguidos e não poupam esforços, mas lhes faltam experiência e recursos básicos. O que mais me impressionou foram os relatos sobre a vida dos alunos das escolas primárias, carentes de material escolar e de instalações apropriadas.

Para conhecer um pouco do que ouvi e vi sobre as agruras do povo e de como ficou o país, depois que eles ficaram livres da ocupação idonésiana, nada melhor é registrar o que está em carta que recebi de uma das mais dedicadas e beneméritas religiosas que ali dão suas vidas ao bem-estar e ao futuro de gerações de jovens e adultos timorenses.

 

“Três anos de Timor-Leste. Os cuidados de Deus para comigo é que tem sido meu sustento.

Nas principais ruas da capital, os mesmos cabritos, as mesmas galinhas e galos, os mesmos porcos e os mesmos cachorros couro e osso, caminham perdidos, atrapalhando o tráfego, sujando as ruas.

As árvores continuam a ser cortadas, para lenha do fogo que cozinha o arroz de famílias timorenses, 80% das matas já foram devastadas, há aproximadamente dez anos de previsão de água potável.

O lixo continua a ser jogado em terrenos públicos, nas calçadas do centro da cidade, nos córregos e no mar vemos de tudo, desde garrafas plásticas até alimento em putrefação, uma imagem muito horrenda e fétida.

Crianças peladinhas continuam tomando seus banhos no esgoto, pensando que é um lindo riacho de águas cristalinas.

O hospital continua abarrotado de tuberculosos, portadores de hanseníase e toda sorte de outras doenças infectocontagiosas como diarreias bacterianas, malária, dengue. Parece o corredor da morte, apesar do esforço de mais de 700 médicos cubanos em todo o país.

Dos 1.000.000 de habitantes de 18.000km2, ainda há cerca de 100.000 pessoas refugiadas em tendas, sem cama, sem luz, muitas vezes sem água, sem higiene básica e sem condições sanitárias (chuveiro ou vaso sanitário), a sofrerem violências de toda ordem (saques, violência sexual, alcoolismo, agressões físicas e morais).

Poucas mudanças realmente grandes aconteceram desde minha chegada aqui. Apesar de esforços de muitas formiguinhas (brasileiros, americanos, italianos, suíços, noruegueses, e outras nacionalidades). Hoje vejo que o trabalho é verdadeiramente muito, muito pesado.

A mim, muitas mudanças, minha mente parece ter envelhecido muitos anos, é como se eu olhasse para trás e nem visse mais as últimas cenas da despedida do Brasil. Aqui vivenciei inúmeras situações calamitosas, tristes, difíceis, doloridas e angustiantes. Mas aqui também vivi a felicidade. Vivi a fé, vivi a esperança e vivi o amor. Realizei meus sonhos e plantei muitas sementes.

Agora, mais um Natal! De tantos que se repetem todos os anos, nem sabemos mais qual foi o presente que recebemos no ano passado ou qual colocamos na árvore há cinco anos... eles já perderam o sentido...

Se esquecéssemos um pouco os pacotes, os cartões, os laços, as comidas, os pinheiros e as luzes...  o mundo seria melhor, pois teríamos mais tempo para o amor, este sim, jamais perde o sentido.

Que esse Natal seja o renovar deste maravilhoso sentimento, o resgate do amor enterrado, do amor escondido, do amor sufocado, do amor perdido, do amor guardado. Que possamos neste momento amar de verdade, e expressar esse amor em ação, porque o Natal representa o amor de Deus por nós.”

Somando-se a tudo isto, tenho na lembrança o que me contou uma mulher com seus quarenta anos que, “quando mais nova”, teve o lado esquerdo do corpo queimado pelo lança-chamas de um caminhão dos invasores que se retiravam deixando um rastro de fogo na palha da cobertura das casas às margens da estrada por onde passavam.

NASCE A CANÇÃO MEU TIMOR-LESTE

Na minha carreira de compositor dediquei-me exclusivamente à música de vanguarda, mas, por razões muito especiais, abri uma exceção em 1962, quando compus a música para o Hino da Escola Primária Ohtani, da cidade de Suzu, na Província de Ishikawa, no Japão, com letra do poeta e amigo Shuzo Iwamoto (1908-1979). Foi o primeiro hino escolar no Japão composto por um estrangeiro e, em decorrência deste evento, Suzu e Pelotas, minha cidade natal, em 1963 se tornaram as prImeiras cidades-irmãs entre o Brasil e o Japão a celebrarem laços de frateridade.

Regressando ao Brasil, estando distante, comecei a pensar em como ajudar às crianças timorenses a serem confiantes nelas mesmas e acreditarem no futuro do país, para terem autoestima e serem felizes, mesmo enfrentando as dificuldades do dia a dia. Para satisfazer também a mim mesmo, escrevi as estrofes, o estribilho e a melodia à capela, para coro misto de meninas e meninos. Assim, em 24 de agosto de 2004, nasceu a canção Meu Timor-Leste, com refrão alegre e versos ressaltando os valores morais e cívicos do país e dos seus filhos.

 

A CANÇÃO MEU TIMOR-LESTE

                      As ondas do mar são verdes

Imenso nosso horizonte,

O céu é cheio de estrelas

As águas brotam da fonte.

                                                  Timor-Leste, Timor-Leste

Timor-Leste meu País,

Timor-Leste, Timor-Leste

É aqui que sou feliz.

 

                         Olhando o verde das matas

Eu vejo nossa riqueza,

Ouvindo o canto dos pássaros

Me encanto com sua beleza.

 

Pensando no meu futuro

Me sinto forte e capaz.

No dia a dia da vida

Eu quero amor e paz.

 

Recordando a nossa história

Eu tenho orgulho e prazer,

O povo da minha terra

É cumpridor do dever.

 

Aqueles com quem eu vivo

São filhos deste torrão,

Sonhamos o mesmo sonho

Temos um só coração.

 

A nossa escola é o mundo

A nossa casa o abrigo,

Abrimos os nossos braços

Pra receber o amigo.

 

Estudamos com afinco

E muita dedicação,

Nós seremos algum dia

Orgulho desta Nação.

 

O RETORNO A DILI

Na segunda visita a Dili, depois de tomadas todas as providências para a realização do ProCTI-MAE, em 19 de setembro de 2004 encontrei as cerca de quarenta crianças que frequentavam as aulas dadas em espaço restante do que antes fora uma confortável mansão de dois andares. À todas entreguei uma folha de papel com a letra da canção que seria ensaiada pela primeira vez. Comecei fazendo a leitura do texto para que tomassem conhecimento da sonoridade e do ritmo do estribilho e de cada um dos quatro versos das sete quadras. Pausadamente, do início ao fim, repeti duas vezes, observando o silêncio no ambiente e a atenção com que todas elas acompanhavam minha leitura. A seguir, novamente fiz a leitura dos versos e do estribilho e pedia para que repetissem. Assim foi feito até o final. Eis que chegou o momento de introduzir a melodia do estribilho, mais ritmado, e das quadras, mais melodiosas. Sem dúvida o estribilho foi aprendido com maestria e era repetido com entusiasmo. contagiante. Os sorrisos rasgavam as bocas pequenas e a alegria tomava conta do ambiente. Conforme acontece em ensaios deste tipo, alguns trechos foram repetidos e o que se desejava tornou-se realidade, testemunharam professores e curiosos.

 

A LIÇÃO QUE NÃO ESQUECI

Parece que, em um abrir e fechar de olhos, toda a população de Dili havia tomado conhecimento da cantoria realizada na escola da cidade. Prova disto foi o pedido que me foi feito por uma das professoras do curso realizado nas dependências do Hotel Timor. No início das atividades da tarde do dia 20, tive que cantar, para um seleto público de funcionária(o)s do governo do Timor-Leste, o hino que havia ensinado no dia anterior, para um acolhedor e vibrante grupo de crianças timorenses.

Terminada minha exibição, outra professora pediu para falar e, cerimoniosamente desculpando-se, apontou algo que, no primeiro verso da canção, chamava a atenção pelo fato de não ser o que acreditavam os timorenses: “no Timor a água do mar não é verde, mas sim azul”. Imediatamente agradeci e acolhi a observação feita e, ao mesmo tempo, prometi fazer o devido ajuste.

Aproveitando a oportunidade, esclareci aos presentes que, para os brasileiros, as águas dos mares eram verdes e que isto estava registrado no início do primeiro parágrafo do romance Iracema, de José de Alencar (1829-1877), um dos mais celebrados romancistas da literatura brasileira com teor nacionalista e indianista. Para não perder tempo, antes de dar continuidade aos trabalhos do curso, enchendo-me de coragem, recitei de memória: “Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba.”

O diálogo simples e esclarecedor que tive com a professora timorense sobre a cor do mar aos olhos de brasileiros e timorenses, serviu para justificar a necessidade de sempre se buscar o entendimento para que as diferenças entre parceiros, sejam elas quais forem, não se transformem em desavença e litígios de difícil solução.

Do momento em que a professora timorense teve acolhida sua observação, o primeiro verso da canção Meu Timor-Leste, de As ondas do mar são verdes, passou a ser cantado As ondas do mar são azuis, certamente com mais fácil aceitação e entusiasmo por parte de quem não teve contrariado o que sabia, por cultura e tradição.

 

 

 

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