O movimento da praça era pequeno. Apenas um ou outro casal namorando num banquinho, aproveitando a falta de interesse do povo pela rua. A novela da televisão ajudava os namorados.
Uma menina com mais ou menos 14 anos passeava pela praça sobre um skate, promovendo manobras radicais em frente ao posto de gasolina, onde o homem esperava pacientemente que começasse o jogo de futebol. Partida amistosa do time do coração.
A menina tracejava pela calçada de material rústico, uma espécie de arenito, rabiscos desconexos com suas rodas importadas que conferiam ao pequeno instrumento esportivo um certo status perante os colegas e amigos do interior.
Num boteco meia-dúzia de homens jogava sinuca, apostando uma cerveja e uma garrafa de vinho para espantar o calor da noite.
Um vento fresco anunciou a chuva. Um sopro mais forte de vento trouxe bilhões de partículas aquosas para a cidade, espantando os namorados e fechando a porta do bar. Não espantou a menina, que insistiu em brincar com o skate, talvez mostrando para a chuva que nada a espantava.
O homem do automóvel alternava momentos de concentração no jogo, na chuva e na menina.
Mantinha uma espécie de ilusão sobre a vida, esperando que talvez a menina deixasse o brinquedo e notasse que ele existia. Existia e estava só, ouvindo um jogo a espera de que alguém ouvisse seu coração.
A roupa da menina estava encharcada, mas o homem percebeu as formas moldadas pela puberdade. Lembrou de um antigo amor da adolescência. Um grande amor.
Do outro lado da praça alguém gritou para a menina, que desprezou o chamado e continuou a fazer malabarismos com a prancha sobre rodas, arriscando cair um tombo no terreno irregular. Era uma noite quase solitária de verão para o homem. Também para a menina, que preferia a companhia das águas celestes à de sua família, distraída pelas imagens da telinha.
A menina sentia saudades do pai, cujo paradeiro era desconhecido. O homem sentia saudades da mulher, que o deixara por um motivo qualquer, levando sua filha embora.
A justiça determinou o distanciamento, o vazio das almas e dos momentos.
Estava quieto a pensar na falta de sensibilidade da justiça e da esposa que o afastava de sua filha e dela mesma, que tivera tanta importància um dia quando a menina caiu.
Ajudou-a prontamente. Emprestou um casaco para ela voltar para casa. Só foi até o portão para evitar discussões com a mãe da garota.
Ela chorava um pouco, com um arranhão forte na coxa direita. Deu um beijo no rosto da menina e voltou para o carro, tomando o rumo da capital novamente, deixando para trás a cidade, onde as lágrimas da menina se misturavam com as gotas da chuva. Seu rosto também estava molhado pelo choro da saudade.