Hoje é o dia da minha recisão de contrato.
Demissão é o termo exato.
O meu patrão disse que não servi, de fato,
que iria me demitir e que era hora de partir.
Portanto pus o meu melhor sapato,
abri as portas do armário
e sacudi o antigo
paletó
- para tirar o pó -
Até a velha, mas bela gravata
com pintas vermelhas e listras de prata
coloquei para dar um ar
de quem está por cima
e não se deixa intimidar
Cheguei na redação do jornal
me despedi do pessoal
- mas não houve choro nem lágrimas -
profissional não chora,
somos feitos de metal
de coisa parecida e tal
para não pegar mal
Eu era repórter especial A.
Fazia matérias de polícia,
prostituição, mundo cão
era a minha especialidade.
A cidade era um caldeirão
e eu me achava a solução
para o problema dos corruptos covardes.
Comigo não tinha essa de traficante de favela,
bandido perigoso, perito farsante,
deputado corrupto, delegado e meliante.
Era tudo farinha do mesmo saco.
Um dia tive um nome.
E um salário do tamanho do meu nome.
Era tratado como profissional referencial.
Tanto que pensei até que fosse um gênio
depois de ganhar um prêmio
internacional.
Realmente, até então,
era um repórter diferente,
responsável pelas matérias quentes.
Tinha da chefia total confiança:
- Essa matéria é a cara do França !
Mas os corruptos são germes
e estão por toda parte.
Um deles contaminou a cabeça do meu chefe,
de repente vi emagrecer o meu salário
no contracheque
até ouvir a famosa frase:
- Ricardo França, não queremos mais você.
O jornal caminha por novos rumos,
em última análise, faltou produtividade.
Pode passar no DP.
No corredor peguei o elevador
e segui para o Departamento Pessoal.
Lá a dona Agripina e a dona
Osvaldina
disseram que eu tinha direito
ao aviso prévio,
(me aconselharam para eu parar de usar
o cartão de crédito)
e elogiaram o meu paletó
- Vá com Deus, seu França,
não perca de forma nenhuma
a tal da esperança,
que você, um dia, vai para uma melhor!
Eu disse então obrigado
para a dona Osvaldina
e agradeci a dona Agripina
pela recomendação.
Desci a escada com um cheque na mão,
e pensei:
- Será que passei no teste da demissão ?
Que é saber ficar de pé
quando desaba o chão,
minutos antes da recessão
da cachaça e do pão,
que é permanecer impávido
diante do porteiro,
do vizinho fofoqueiro,
e do colega de redação
que foi promovido
e ficou com o meu salário
depois da minha demissão.
E quando tudo faltar,
meu Deus, quanto dinheiro!
- Será isso o tal do seguro desemprego ?
Depois de tudo
só permanece uma certeza que dói
mas que aos poucos some:
que na edição de amanhã
assinando a próxima notícia
não estará o meu nome.
|