Era para escrever sobre outra coisa, mas aí eu lembrei da garota sentada em frente ao pé de acerola, olhando para os morros iluminados de sua cidade.
Aqui e acolá famílias aproveitavam a tranquilidade aparente de Belo Horizonte para ficar mais alguns minutos de janelas abertas em meio ao calor de janeiro.
Mesmo assim, quem pode tem grades nas janelas, pois a cidade foi cercada por construções frágeis, habitadas por frágeis criaturas, excluídas do sistema consumista, sob a pecha de favelados, ainda que sejam semi-cidadãos em busca da integração económica e social.
A garota comia acerolas e fazia caretas, olhando as estrelas e fazendo pedidos para fadas madrinhas, estes seres que se criam na mente das pessoas para tornar a realidade melhor.
Que pedidos teria ela a fazer? Viagens, saúde para a família, um romance, ou quem sabe apenas que as acerolas se tornassem doces e a cidade segura novamente?
A verdade é que enquanto ela comia as pequenas frutas, Beagá fazia barulho, com gente, automóveis, rojões, tiros e sirenes complementando a rotina da grande metrópole.
Em meio ao pandemónio a lua matreira esticou seus beiços e sapecou-lhe um beijo nas faces, tornando a guria prateada com o brilho da esfera celeste.
Ela sorriu, piscou para a lua e mandou um beijo através do espaço, daqueles que se dilui pelas nuvens, espalhando amor entre os seres amantes.
Por um instante Beagá freou, para sentir o gesto afetuoso da menina penetrar naquela aura de tensão da grande cidade.
No morro o traficante parou de vender pó, no presídio cessou a violência, nos hospitais ninguém mais morreu, e o tempo estagnou para repensar sua vida.
O beijo espalhou a harmonia, e Beagá sentiu que podia ser feliz, pelo menos durante alguns instantes.
O momento mágico se prolongou nas palavras, que foram enviadas para a cabeça do poeta, que num soneto imortalizou a musa das acerolas.
Azedas e alegres, ácidas e doces, a vida, o tempo, os amores, tudo num turbilhão de letras, idéias de quem ama a vontade de amar. As acerolas beijaram os lábios que o poeta queria beijar. |