Sinal de riqueza durante muitas gerações, os dentes de ouro enfeitaram e ainda enfeitam bocas pelo mundo afora. Embora em menor quantidade.
Os dentistas tentam mostrar que dentes de porcelana são mais finos, e não tem assaltante interessado em extrair dentes de porcelana, que só vale para quem está usando. Fora da boca não tem valor. É questão estética, não económica.
Foi o que o dentista tentou dizer ao Zé Lombriga, que encontrou muito ouro no leito do rio Madeira e correu para o consultório, depois de passar num cabaré e numa loja de automóveis, onde comprou quatro Del Rey com a sorte a pular na sua draga.
Mas Zé Lombriga, diante do dentista muito ético, respondeu-lhe que tinha dinheiro e não se envergonhava. Procurou outro profissional, e satisfez seu desejo.
Os trinta e dois dentes brilhavam um mês depois de entrar no outro consultório. E o ouro continuava a cair naquele canto do rio, enchendo de alegria as prostitutas e os comerciantes, que festejavam a chegada de Zé Lombriga, sempre disposto a presentear as testemunhas de seus atos.
Dava geladeira, fogão, móveis. As mulheres do bordel que frequentava mobiliaram suas casas, tudo com a generosidade do homem.
Mil amigos, o dobro de mulheres. A febre do ouro colorindo a vida do Zé. Até o dia em que o rio se vingou. Do mercúrio derramado e das margens agredidas pelo Zé e tantos outros.
O património volátil do Zé foi se desfazendo. Em questão de meses. Com a força do vento. Do pó ao pó.
Do pó das ruas que viram o Zé chegar com uma multidão ao pó da rua que o acolheu quando os hotéis e as vadias o recusaram.
De lembrança da glória aurífera a boca cheia de ouro. E a vontade de ganhar dinheiro, respeito e amizades. Amizades etílicas e voláteis, como a natureza do álcool.
Zé Lombriga começou a pedir comida, primeiro nos locais onde antes enchia a barriga dos mil amigos. Depois nos bordéis. Depois revirando as latas de lixo.
O ciclo de miséria substituindo o ciclo do ouro, na maldita roda da vida. A boca rica alimentada com restos. Lixo compartilhando o ouro na boca do garimpeiro.
Foi assim durante uns dias, mas os assaltantes abreviaram sua dor. Assassinado a pauladas para que fossem retirados seus dentes de ouro. Uma boca banguela, cheia de sangue, beijou o asfalto da rua empoeirada.