A minha poesia viu um assassinato.
Não, não é boato.
De fato, coitada, ela viu o morto na calçada.
Morto mesmo:
duro, roxo e com um tiro na testa.
E morto nesse país é sinônimo de festa.
Morto que se preza, desses gabaritados,
morre em uma tarde de verão
em uma rua movimentada.
De preferência, super populosa:
cercada de edifícios por todos os lados.
Morto que se preza tem uma população em volta.
E esse, cumpriu à risca todas as determinações.
Esse era um morto profissional, talentoso.
Elegantemente escandaloso.
Tanto que foi aplaudido.
O povo, de pé, pedia bis.
E em uma demonstração de admiração sincera
a rua repleta, em uma só voz, cantou em homenagem ao extinto:
"Parabéns para você nesta data querida,
morra mais vezes no meio desta avenida".
Realmente uma festa!
Os bares: abarrotados.
Ambulantes cobravam em dólar.
A população estava feliz
e o governo pode aumentar tranqüilo
o preço da gasolina, do feijão, do leite e do pão.
Mas seria injustiça
dedicar toda essa festa à participação
secundária do morto.
O assassino sim teve uma atuação especial!
Afinal, sem ele não haveria morto
e sem morto não haveria festa!
Ele é que é o verdadeiro anfitrião,
o organizador desse ato folclórico!
Mas aonde está o assassino ?
Esse caridoso homem
que provavelmente não faria mal à uma mosca ?
Oh, sim...Um homem de tal grandeza espiritual
não fica para ganhar o mérito da coisa.
É um eterno anônimo:
ninguém o viu, ninguém o verá.
Afinal, testemunha que se preza
nunca vê nada:
"Eu vi tudo mas não sei de nada,
eu não sei de nada mas vi tudo".
Tudo em nome da alegria!
Sorria escandalizado leitor!
Pratique um assassinato por dia:
Hoje a sua sogra, amanhã a sua tia!
Para ter mais emoção
viva um protagonismo de perto,
com um tiro na testa ou um facão na garganta!
Na falta de coolaborador cometa o suicídio.
Reúna a imprensa e despenca do edifício!
Coloque formicida no prato de seu filho!
Tudo Pelo Social, caro leitor!
Tudo pelo controle populacional!
Tudo, absolutamente, normal!
31.12.87
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