Jussara sentou na praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Estava limpa. Mas abandonada. Mato em alguns cantos. O pior mesmo eram as peças históricas, enferrujadas, cheias de entulhos no seu interior, ideais para os vagabundos consumirem drogas e praticar sexo com as crianças pobres que passavam por lá.
Jussara também foi abandonada pelos pais, criada pelo Estado, numa daquelas instituições para menores, onde infratores eram misturados aos órfãos. Aprendeu tudo o que não queria, a exemplo daquelas crianças violadas em direitos fundamentais.
Jussara pensou no apito do trem, que um dia sustentou seus ancestrais, carregando as riquezas da terra para a Europa e Estados Unidos.
Um dia Rondónia perdeu importància para as nações desenvolvidas e a estrada virou um grande museu sem mecenas. O mecenato do Estado sempre foi ruim. O património foi esquecido. Como Jussara. Abandonada num banco da praça aos dois anos.
Sorte que alguém passou por lá e ouviu o choro da menina no galpão da ferrovia. Depois veio o serviço do Estado. Até os onze anos viveu regularmente. Tinha escola e alimento farto. Um dia virou mulher. Obra de um guardião drogado.
Sofreu também o abuso de garotas mais velhas. Serviu aos interesses de alguém por algum tempo. Depois foi abandonada. Como a estrada. A estrada tinha um custo muito alto. Talvez para seus pais também.
E o Estado? Não poderia ter sido mais bem atendida?
Queria estudar, ver a vida brilhando novamente, ouvir o apito do trem que descarrilou quando criança.
Jussara viu um grupo suspeito entrando no barracão. Sabia que em breve consumiriam drogas. Não havia policiamento. Nada tinha importància.
Viu um homem conduzindo uma menina para um dos vagões. Sentiu nojo. Reconheceu a figura. O vigilante pedófilo, agora aposentado.
Viu uma barra de ferro num canto. Com ela livrou a menina desconhecida.
Não quis saber de privação. Pulou no rio Madeira e se deixou levar.