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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->O CASAMENTO DO MEU PAI -- 16/08/2004 - 15:57 (ADELMARIO SAMPAIO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O CASAMENTO DO MEU PAI

Hoje o meu pai está muito alegre. Eufórico até. É realmente um homem admirável que vende energia nos seus setenta e três anos que ninguém que não o conhece diria que tem. Sendo que estou agora com quase cinqüenta, aparento ser irmão e não filho dele. Muitas vezes já nos perguntaram isso, e ele se diverte com a idéia, e brinca que somos quando perguntam. E como muitas vezes não desmente, também por brincadeira, é que muita gente não sabe que é meu pai.
Está assim contente porque hoje é o seu terceiro casamento.
O primeiro, foi quando ele tinha vinte anos. Casou-se é lógico, com a minha mãe, que morreu quando eu tinha dezenove, e ele quarenta e sete. Eu escapei de ser abortado na quarta gravidez da minha mãe, como aconteceu com os outros irmãos que não tive...
Quando eu tinha vinte e um, viemos eu e uns colegas de escola passear aqui nessa mesma fazenda onde meu pai morava e mora até hoje. Entre esses colegas da mesma idade que eu, haviam duas moças. Uma delas eu não me lembro o nome. A outra era a Lurdes por quem eu era secretamente apaixonado.
E tanto ela como a outra moça fizeram uma dessas brincadeiras de jovens para ver quem é das duas que conquistaria o meu pai. Lembro-me que a outra ainda brincou que não tinha coragem de namorar um velho. Mas esse tipo de brincadeira se levado à frente acaba virando um desafio. Meu pai mesmo diz que as mulheres acabam levando a sério o que falam por brincadeira. Ouvi dele que muitas vezes mulheres falam dos maridos numa espécie de solidariedade consoladora quando conversam com outras infelizes pelo mesmo motivo, e acabam acreditando que eles tenham em dose exagerada, os defeitos que antes elas nem notavam. Ele, meu pai, tem um ditado que não há homem que não omita, nem mulher que não exagere.
Para todos os jovens, como éramos naquela época, uma pessoa por volta dos cinqüenta, é um velho que está à beira da morte. Ainda lembro com clareza que eu mesmo pensava assim. E como dizem que a primeira impressão é a que fica, a que tiveram do meu pai quando chegamos, foi de que ele era mesmo muito mais velho, porque naquele dia estava muito sujo da lida do trabalho e com a barba de muitos dias que naturalmente o deixava parecer que tinha mais idade do que de fato tinha.
Para meu desespero, a Lurdes lançou seu charme para cima do meu pai que logo percebeu, mas sem considerar que era uma brincadeira. Tomou aquele banho caprichado, barbeou-se e vestiu a sua melhor roupa. Já não parecia tão velho mesmo para jovens da nossa idade. E logo vi as meninas brincando que ele ‘não era um homem de se jogar fora’. Mas mesmo assim ainda permaneciam as brincadeiras sobre idade e ouvi também a outra moça dizer que jamais se envolveria com um homem que estava já no fim da vida. A Lurdes brincou que aí é que estava o segredo, porque ela ficaria com a riqueza que ele tinha, porque já naquele tempo meu pai era um fazendeiro bem equilibrado financeiramente, como o é até hoje.
Para resumir, a brincadeira ficou séria, e menos de dois anos depois desses dias, eles já estavam casados. Esse foi o segundo casamento do meu pai, com a pessoa que eu queria para mim na época. E até hoje penso que a minha vida seria diferente e teria um outro sentido, se tivesse me casado com aquela que foi a esposa do meu pai por vinte e seis anos e deu a mim dois meio-irmãos que estão ali, e que são as razões de maiores alegrias do meu pai.
E eu, guardo comigo esse segredo dolorido no coração, de um amor não resolvido. Talvez por isso eu seja tão sombrio, e contraste tanto com meu pai...
A Lurdes morreu há dois anos atrás. Deixou uns cadernos com seu diário escrito, que jamais havia mostrado a ninguém. Quando estava quase à morte com um câncer fulminante, segredou-me que queria que eu ficasse com seus escritos, e deu-me a chave do baú onde os guardava, fazendo-me prometer que os destruiria sem mostrar a ninguém. E hoje sei que ela acabou envolvida pela brincadeira, e na inconseqüência da juventude, acreditou seriamente que meu pai morreria logo, o que não aconteceu. Pelo contrário, ela conta, que percebeu que ele até ficou mais jovem com o casamento, e ela mais velha com a decepção de ter casado com quem não amava, na ilusão de que ele morreria, e deixaria para ela todos os bens. Conferindo hoje com o diário, posso lembrar que eu também havia notado que ela havia ficado mais sombria e mais velha depois que se casou, e logo ficou fraca e doente, até que apareceu o câncer que acabou com a sua vida ainda antes dos cinqüenta anos. O diário acabou por revelar tardiamente a mim que a minha madrasta também guardou em segredo um amor secreto por mim...

Vejo agora meu pai ali todo alegre e pronto para mais uma aventura das que se repetem em sua vida. Posso ver sua noiva muito mais nova ao lado dele, e notei nesse instante que ela tem o olhar vago, como se pensasse algo distante. Será que como Lourdes pensa que ele vai morrer logo?... Mas meu pai com esse pique que tem, chega tranqüilo aos cem anos como aconteceu várias vezes com os muitos dos nossos parentes, inclusive meu avô que ainda dança todo contente do outro lado da sala.

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Adelmario Sampaio

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