A história do Juvenal nem deveria ser contada. Mas é bom contar para que sirva de exemplo. Mau exemplo.
O Juvenal era um gaúcho sem-vergonha, desses que cai no mundo por acidente da natureza. Puro acidente.
Nasceu num dia de novembro, um dos trinta, mas não sabia qual. Escolheu o dia 2, mas não sabia que era o dos mortos, e ficou vivito da Silva para incomodar os outros, jaguara que era.
Logo pequeno, sem pai que assumisse sua guarda, foi esquecido pela e numa instituição do governo. Aí começou a história.
Juvenal via que as condições de vida eram ruins, mas descobriu sua vocação para puxar saco. E dê-lhe elogiar. Gostava da sopa gosmenta do orfanato, das cobertas finas que não protegiam do frio e das paredes mofadas, cobertas de água pelo excesso de umidade daquele quarto fedorento.
Quando alguém reclamava de algo, dizia que o governo era bom, e brigava com os descontentes. Piazito sem-vergonha, sempre a dedurar os companheiros de infortúnio.
Foi servir no quartel, e no meio daquele monte de fardas, percebeu que bajulação era um caminho curto para comer bem e trabalhar pouco. Engajou e virou cabo, tocando corneta na banda militar.
Um dia foi visitar o prefeito, e quando viu que tinha mais aduladores por lá do que no quartel se mandou para o poder civil.
Conseguiu ser assessor do homem, que adorava um elogio fácil, uma palavra de estímulo pela sua brilhante capacidade.
O sacripanta bajulava e conquistava inimigos. Ninguém o superava na capacidade de arranjar argumentos para elogiar prefeitos, governadores e presidentes. Até presidente de outros países elogiava. Convicto.
O grande problema é que Juvenal em alguns instantes chegava a ser muito altruísta, arriscando sua vida.
Não raro apanhava em comícios onde a oposição fazia críticas ao seu patrão, e isto acabou com todos os seus relacionamentos. Seu voto era sempre do governo, fosse quem fosse.
Um dia Juvenal estava numa reunião política e exagerou no heroísmo. Um bandido apontou a arma para o prefeito e o doido pediu para que fosse vítima no lugar do homem. A proposta foi aceita. Um tiro no peito. E outro no prefeito.
No enterro a dúvida. Chefe e subordinado separados? Não. Foram postos na mesma cova, garantindo ao Juvenal o direito de bajular o superior mesmo depois de morto. Coerência com a vida do talentoso.