Mas bah, como é que eu fui esquecer aquele monte de regionalismos que eu nunca soube direito? É tri-ruim esta situação.
O bagual de Caxias disse que eu era obrigado a saber de tudo para ser gaúcho. Eu respondi que ainda continuava grosso o suficiente para lhe meter a mão no ouvido, ainda mais que ele carregava um chaveiro do Internacional.
O papudo ainda me encheu de impropérios pela minha grosseria, mas logo vi que era um filho duma china e não perdi meu tempo em dar mais coices.
A filha dele é que interessava. Desconversei o gaudério e me aproximei da prenda com a conversa de que o vestido dela era bonito, mas o conteúdo era mais interessante.
A guria gostou da prosa e já me tornei mais metido que pé em alpargata velho. Aproveitei o churrasco do rodeio e surripiei uma chuleta com vinho, mas o rabugento de Caxias me olhava de soslaio.
Para incomodar o velho puxei uma acordeona e toquei o Hino Farroupilha, o que o tornou mais calmo. A quase sogra delirou com a música e logo estava formado um baile.
Depois de uma dúzia de xotes e vaneirões a família toda já me queria, mas eu mesmo só queria a guria, que mexeu todos os pelos do meu corpo.
Para minha sorte chegou um bagual metido a tocar gaita e lhe passei a missão sem me importar com mais nada.
A chinoca queria dançar, mas eu desajeitado a fiz desistir da idéia. Saí de mansinho com a conversa de caçar boitatá nos arredores do acampamento para me entender com a prenda.
A conversa estava boa, mas o bagual velho que ela chamava de pai tinha uma daquelas lanternas do Paraguai que ilumina até breu e estragou metade dos versos que a gente declamava um para o outro.
O velho gritou bem alto: chega desses monossílabos fechados . Puxou a prenda pela orelha e me apontou um trabuco pela minha audácia de gaúcho da cidade. Respondi com boa vontade a pergunta se queria casar ou morrer, e aí toda família me abraçou.
Para meu azar descobri mais tarde que a prenda já não era tão prendada assim, mas o piazito que nasceu era quase parecido comigo então não reclamei.
Também ia reclamar do que? A filha do homem tinha mil e quinhentos boizinhos no pasto e a fazenda do sogro invadia o Uruguai.
Hoje ajeito o chapéu e saio olhando aquela boiada com o guri na sela, domando os bichos do sogro e criando a cria de um gaúcho mais esperto.
A vida de fazenda até que é boa, e depois de comer carreteiro todos os dias, eu só tenho que me arranjar com a filha do patrão.
Eu agora estou até falando como o pessoal da fronteira, mas esses causos eu vou deixar para outro dia.
A cria tá chorando no fundo do rancho e tenho que tirar uma sesta para me acostumar com a Campanha do Rio Grande.