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Contos-->MINHA MENINA -- 29/06/2003 - 04:56 (Daniel Igor Dutra Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Para Mariana

PASSADOS OS MOMENTOS de ódio, líquidos quentes que escorriam de todo o meu corpo, eu novamente me dava conta da necessidade de tê-la perto de mim; sentir seu rosto e sua respiração roçando delicadamente meu rosto enquanto, por trás, ela me abraçava, descansando o peso da cabeça no meu ombro. Suas mão em torno da minha cintura, minhas mãos acariciando as dela. Era assim que eu sempre me lembraria dela, e trocando toques com as mãos úmidas todo aquele sentimento estaria completo.

Ela tinha precisado de mim. E sem saber a quem eu ajudaria se realizasse seu desejo, ajudei, pois tinha a certeza que a faria, senão feliz, ao menos confortada. Quanto a mim, enquanto eu pudesse satisfazer suas vontades seria um homem feliz. Feliz, sim eu seria muito feliz. E quando suas particularidades e ataques de mulher certa de si não eram do meu agrado, então eu a queria queimando no inferno.

Eu era um menino de pirraças, pirraças porque mimado.



Minha nostalgia de natal predileta eram as chuvas que sempre caiam na cidade nessa época. Predileta porque era a única lembrança que personificava em si todas os meus outros símbolos das comemorações: uma casa ocupada por todo tipo de som familiar. Crianças eufóricas pela esperada aparição do Noel; primos ouvindo animadamente o tio mais divertido contando as travessuras de sua infância. Urge saber que meus tios e avós e mão cresceram no interior de Minas. As festas de família sempre tinham algo de folclórico.

Era fabuloso tudo aquilo: minha avó correndo incansável e incessantemente da cozinha para algum lugar, nas mãos sempre um pano, da boca uma infinidade de palavras e frases soltas, uma verborragia inconsciente que explodia de seus lábios.

Cada tio tinha um nicho nas festas de fim-de-ano: um prostrava-se em frente à TV para acompanhar as missas; outro ia beber cachaça até começar a falar asneiras; os mais simpáticos e sociáveis uniam-se na sala para contar seus causos; a tia beata discursava sobre seus negócios, como sempre faziam o tempo inteiro. Eu? eu ficava observando todo o movimento sentado no terceiro degrau da escada. A mesa sendo posta, as risadas vindas da cozinha, as crianças com seus olhos fascinados nas guirlandas de doces discutindo umas com as outras quantos bombons e quantas balas iriam tirar quando lhes fosse permitido. Algumas vezes minha mãe convocava-me para alguma tarefa, com uma voz áspera e arrogante que irritava-me.

Às vezes eu tentava inserir-me nos acontecimentos, buscando alguma roda de conversa para poder participar. Ouvia atentamente os falantes e, no momento considerado certo, respirava fundo, tomava coragem e... e... falava algo tão dispensável que por vezes a conversa cessava, e os que participavam iam fazer qualquer outra coisa.

Eu era adolescente.

Essas reuniões de família não aconteciam já há alguns anos. Novamente era natal, e agora eu já tinha me tornado um homem. Mas por causa dela voltava a ser menino, menino perdido, menino dela. Assustei-me quando dei conta de que ela me levava, com os dedos tocando somente meu queixo, para onde quer que ela achava necessário ou quisesse. E que, além disso, eu amava essa condição. Mesmo quando eu me permitia pensar e dizer não, estava indo contra minhas vontade. E apesar de todas as evidências, somente depois de meses de servidão voluntária é que percebi estar apaixonado por ela. E agora ela batia à minha porta, em busca de um lugar qualquer para passar a noite de natal, em busca de um idiota qualquer, e que felizmente tinha sido eu.

Era certa minha paixão por ela. E apesar de já saber que dificilmente eu a teria somente para mim, mais do que nunca eu estava disposto a me entregar. Como um pai ciumento eu a defenderia dos aproveitadores, que aos meus olhos seriam todos os homens. E ao mesmo tempo queria que fosse feliz, com um homem como eu.

Na véspera de natal, a casa ainda vazia. Assim permaneceria por toda a noite. Não havia família a caminho, nem mãe nem irmãos. Todos têm seus natais, e assim, como a casa estava, era a única maneira de eu me sentir sereno nesse mais um dia.

Só apareceu quem eu já esperava, mansa lá do céu.

Na sala escura, uma vela e algumas folhas de papel, onde eu escrevia uma carta ao som de Bach, oratório de natal. Aos meus pés o cachorro de estimação. Não que eu estivesse feliz, até pelo contrário. Mas a idéia de natal não mais me agradava desde que a família se foi levando consigo todos os sons. E o nascimento de Jesus tinha transformado-se em uma simples comemoração tão banal quanto o nascimento da filha da artista de televisão com câncer no colo do útero. Chega da falsidades! Seria melhor sofrer como rebelde a sofrer como hipócrita. Ao menos a chuva minha companheira dos natais caía lá fora, silenciosamente ouvindo meus lamentos.



Ouço passo que aproximam-se da porta de minha casa. O cão inquieta-se. Toca a campainha. Abro a porta e para meu enorme contentamento sorri para mim. Uma menininha que então envolvo com meus braços e meu corpo; os dois se apertam nesse abraço que de tão profundo dura uma eternidade sublime. O cão pula, talvez tão contente quanto, pula repetidas vezes. Ainda abraçados emitimos singelos “oi, e aí?”. E aí, aí que nesse abraço quase unimos nossos corpos, ou ao menos assim queríamos que fosse. Minhas mãos correm pelo sulco de suas costas, as dela enrodilham minha cintura, minha boca encontra leito em seu ombro, a cabeça dela descansa no meu de modo que sinto seu arfar aquecer meu pescoço, arfar de menina que correu da chuva, que por capricho decidiu cair mais feroz pouco antes do meu amor chegar.

Só depois d’eu sentir um bem-estar se espalhar por todo o meu corpo, como morfina no sangue, só depois dela me deixar um beijo úmido e terno no rosto, só depois de nos abraçarmos novamente é que entramos em minha casa, de mãos dadas não sabe-se quando.

Eu já sabia que ela não queria passar o natal em casa. Eu já sabia que ela não tinha encontrado mais ninguém em casa. Eu já sabia que em tempos normais eu não seria uma opção. Nada disso me incomodava, pois agora eu estava junto dela. Na minha casa, que quando está vazia e em silêncio é meu lugar nesse mundo de infindáveis tristezas. E com ela aqui o mundo inteiro podia todo afundar-se em lama.

“Posso dormir aqui?”. Foi tudo o que ela me disse e ao meu “Sim”, beijou-me novamente no rosto. E se ela dissesse “Salvas Prometeu por mim?”, somente outro daquele singelo beijo já seria suficiente para que eu respondesse outro sim. “Quer comer?”. “Sim, quero sim”. E enquanto eu lhe preparava um jantar, ela ouvia o meu Bach.

Já era quase meia-noite. Eu era o homem mais feliz do natal.



A “ceia” foi comida assim, sobre a mesa-de-centro da sala. Nós dois sentados sobre o tapete, ela de meias e eu descalço. Agora era Grieg quem desfilava seu “Amanhecer”, e nós três, homem, mulher e cachorro vivíamos em paz, como um bebê que acaba de mamar do seio quente da mãe e que em seguida adormece com a cabeça colada ao peito do pai: ouvindo notas graves e suaves de uma canção de ninar qualquer. Ela era a mãe, o pai e a canção, eu só queria um pouco mais de comida e ela, em silêncio, acompanhava a música.

Fiquei olhando para ela. Nunca a percebi tão linda. Uma menina pequenina, de caber na mão da gente. Seu corpo esguio acentuava a aparência de menina frágil. Ela levantou os olhos do prato para então olhar nos meus olhos. Nos mantemos sérios e compenetrados na música. Ela pôs a mão no queixo como quem vai fazer uma observação.

Derramei nela toda a minha atenção, fixei afoitamente meu olhar em sua boca como que para não perder nenhum movimento de seus lábios. Senti que ela já iria falar. Ela então abriu a boca rapidamente, exibindo uma massa branca e úmida sobre a língua. Daí começou a rir descontroladamente. A mim, só restou rir e amá-la mais ainda.

***

Grieg ainda tocava quando comecei a recolher os pratos. Ela ainda estava lá, no chão, uma perna esticada e a outra dobrada sobre a primeira formando um 4. As duas mãos apoiavam-se bem atrás do corpo, ela quase deitada no chão. Enquanto ela falava sobre qualquer coisa eu ficava admirando-a. A blusa que usava colava-se ao seu corpo, a longa saia, de tecido muito fino e suave repousava sobre suas pernas, apenas sugerindo o que estava ali encoberto. Percebi então que tinha sido hipnotizado por ela, e que minhas observações poderiam ter sido descobertas. E antes que eu pudesse desviar o olhar, ela jogou a cabeça para trás, talvez testando-me talvez somente cansada, suspirou profunda e lentamente.

Pude notar os anéis de sua garganta, e percebendo que aquela mulher já me excitava, deixei a sala. Precisava de um banho. Volto para a sala e termino de retirar a mesa. Ela muda de posição, apoiando as costas no sofá e deixando as pernas esticadas sobre o tapete, indiferente ao final da música. Fui tomar meu banho, deixando-a com uma grande almofada.



O banho é minucioso. Quero estar impecavelmente limpo para com ela passar a noite. Visto-me com o corpo ainda ligeiramente úmido. Uma última esfregação frenética de toalha nos cabelos é o toque final.

Desço as escadas quando termino e tenho a impressão de que ela dorme, embalada pelo som da chuva. Nada mais justificável dada a minha demora e ao fato de que já era alta noite.

Somente a luz da rua iluminava a sala. Um som miúdo emanava das caixas de som, confundindo-se com o ruído manso da chuva. Ela dormia no sofá, toda encolhida e certamente com frio. Eu observava tudo da escada, primeiro de pé e depois sentado no terceiro degrau da escada. Ela remexeu-se no sofá, talvez tentando aquecer-se, inutilmente. Não há como não sorrir de uma criancinha tão desamparada como ela naquele canto do sofá. Desliguei a música e o silêncio invadiu definitivamente a casa; o silêncio também é o barulho da geladeira e o som do ponteiro de segundos do relógio da cozinha pulando de momento a momento para não ficar no passado. Um gemido dela, talvez esteja sonhando ou pode ser apenas um gemido de frio. Não importa, ela é linda e me fascina.

Levantei-me finalmente e fui até ela. Eu não queria ser o vilão, interrompendo aquele anjo adormecido, mas também não queria carregá-la pois sou muito descuidado e fraco. Aproximei-me dela lentamente, sentei no chão junto do sofá onde ela estava. Acordei-a assim como eu acordava minha mãe quando era pequeno: dando um beijo em sua testa, e tal como minha mãe fazia, ela também abriu os olhos lentamente, e sorrindo para mim disse “Cochilei um pouco”. Com ela ainda deitada na mesma posição acariciei-lhe o rosto, percorrendo com o polegar da testa até o queixo, passeando pela depressão no alto do nariz, roçando lentamente seus lábios, para enfim abandonar aquela pele ligeiramente ruborizada pelos atritos com o travesseiro, ao que então ela decidiu levantar-se.

Atravessamos toda a sala com as luzes apagadas, ela na frente. Minha mão direita, apoiada em suas costas, indicando o caminho do quarto, enquanto a esquerda carregava suas sandálias. Quando alcançamos a base da escada coloquei-me ao seu lado, abraçando-a pela cintura, protegendo-a de qualquer perigo. Só acendi as luzes quando finalmente chegamos no quarto. Ela, coçando os olhos com os pulsos cerrados, parou sob a soleira da porta, enquanto eu tratava de encaminhar seu sono tranqüilo. Deixei suas sandálias ao pé da cama, retirei a colcha do colchão e por fim perguntei-lhe se já tinha ido ao banheiro.

Respondendo que não foi em seguida. Tirei do armário dois travesseiros de penas, um grande lençol branco e um grande e estufado edredom. Ela voltou, estava visivelmente muito cansada. Pedi que se deitasse, e ela o fez deitando-se bem no meio da cama larga com os braços junto do corpo e as pernas bem estivadas e unidas. Ela pediu “me cubra” e eu o fiz, primeiro com o lençol. Lancei-o sobre toda a extensão da cama, sem contudo soltar uma de suas bordas, e habilmente controlei sua queda suave sobre minha menina, que esperava o toque do tecido com os olhos fechados e um sorriso discreto nos lábios. Quando o pano por fim assentou sobre seu corpo ela soltou um gritinho, que adivinhei ter sido causado por uma onda gélida que percorreu todo o seu corpo. Só aí é que ela lembrou-se de que ainda estava vestida, e ainda sob o lençol tirou a longa saia, empurrando-a até o pé da cama, deixando-a cair no chão. Peguei a saia para pendurá-la no cabide e ela aproveitou-se para tirar a blusa, jogando-a em mim, acertando meu rosto. Inabalável, peguei a blusa e também pendurei-a. Ela riu.

Antes de cobri-la, fui ao banheiro para escovar os dentes. Demorei-me um pouco e quando voltei para o quarto ela já dormia, a cabeça repousando de lado no largo travesseiro. A boca semi-aberta produzia um leve som de respiração. Os cabelos soltos espalhavam-se. O pescoço nu exibia uma maciez entorpecente. O suave lençol repousava sobre todos os detalhes daquele lindo corpo; podia notar os ossos da clavícula, os pequenos e delicados seios, cada uma de suas costelas, o abdome se elevando e descendo calmamente, os ossos da bacia, até mesmo podia perceber que ainda estava usando suas vestes íntimas. E para não incomodá-la desisti de dormir junto dela. Desdobrei o edredom e a cobri até o pescoço. Dei-lhe um beijo de boa-noite, ela abriu e fechou os olhos, apaguei a luz e deixei o quarto.

Ainda chovia lá fora. Eu, no silêncio e na penumbra da sala, fiquei ouvindo o mesmo ruído da geladeira, os cliques do relógio e o som sereno das gotas caindo sobre as plantas do jardim. Não consegui dormir pois temia que minha criança acordasse, com frio, com sede ou fome, e eu não me perdoaria se não estivesse lá para cuidar dela. Só descansaria quando o sol nascesse novamente e minha menina não precisasse mais de mim.

D.I.D.S. - 25/12/2001
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