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Contos-->DETRÁS DAS PÁLPEBRAS -- 29/06/2003 - 05:04 (Daniel Igor Dutra Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“A imaginação é assim uma planície
vasta em que a inteligência do homem vagueia,
insone e desesperada, de hipótese em hipótese.”
Torrieri Guimarães

- I -
NÃO HÁ PASSADO e o futuro é algo não importante. O presente é sempre o que vale a pena viver. E também o único que se pode aproveitar.



Lá embaixo, a bruma cobre grande parte da densa vegetação, e uma ou outra palmeira desponta inexorável. Delas só se pode ver algumas folhas.

Animais jamais vistos se movem sorrateiramente, e qualquer coisa viva que esteja ao alcance deles seria rapidamente morta e comida. Ao longe, montanhas altas, mas de base estreita e apenas cobertas no cume por uma grama rala, circundam toda a vista. O céu é vermelho e cinza, o ar sempre úmido.

Alguém está sentado num destes cumes. Ele questiona, ele cisma. Está na menor das montanhas, no menor dos cumes, em lótus. Tocando um instrumento de cordas, ele está contente e muito confuso, apesar de sereno. Não pergunte sobre sua origem, ela não há. Ele talvez também não exista, e nem se lembra de seu nome.


Os olhos; a luz os fere. Então tornam a vagar errantes.


Agora a bruma vem até seus pés. Mas não se iluda: é perigoso dar qualquer passo adiante. O perigo não é cair, mas sim descobrir aquilo que precisa de tempo para se apresentar.

O frio é formidável, e as roupas que veste nem são percebidas. Há momentos em que acredita estar nu, mas também acontece de a roupa pesar em seu corpo absurdamente, e mesmo assim não ser percebida. Ele conversa com alguma presença.

Ah! é tão bom esse lugar, mas a presença, mesmo sem palavras, inquieta esse alguém. Sem saber precisar quando, descobre que a qualquer momento ele terá de sair dali, por conta própria. Esse momento chega, e logo ele não se lembra disso.


Já é hora? A lua está inteira, onipresente. Ele a vê da janela. Ele a vê através das nuvens. Também há cerração, só que menos intensa.


A presença anterior o leva até o alto de um prédio, onde acontece uma festa com pessoas aparentemente conhecidas, mas que jamais vão até ele para dizer alguma coisa. Ele também não conversa com ninguém, exceto por aquela presença e por alguém que sempre está atrás dele, oculto, conhecido mas não reconhecido. É uma mulher. Quem seria? Então, espontaneamente ele se joga do prédio, e ninguém parece se importar, principalmente ele mesmo. O chão nunca chega.


Por que tudo é tão estranho? Por que nada parece fazer sentido?

A viagem se faz necessária, mas impossível. Não há tempo sequer recursos. E há terras distantes em demasia. Poucos são aqueles que podem visitar todas, e mesmo esses não as visitam por completo, ou em alma ou em precisão de observação. Por esse ponto de vista, não existe diferença entre o leigo de paisagens e o navegante sem porto.

Diversas essências... Diversas essências.



A neve cobre tudo. Sequer já viu um floco de neve, que seja, mas agora ela parece se a coisa mais comum em sua vida. Dói o osso, dói a mente, dói o existir. Não há quem queira ou quem possa ajudar, mas ele continua seu caminho. Para onde e por que? Para onde e por que.

Até que avista uma pequena luz, que em último caso seria alguma guia. Dessa luz, ele corre, e de tanto correr sem saber exatamente para onde, ele se perde. E se encontra, perdido.

Está resolvido seu problema.


Agora perdido, ele sabe o que fazer. Ou pelo menos aonde ir. Pouco faz caso de como isso irá acontecer. Agora, as paisagens parecem estar tão próximas... pode tocá-las com a pontas dos dedos, mas apenas isso. Ainda não pode estar nelas. Que importa? os dedos tocam aquilo que se pode alcançar.


Sempre se pode dar mais um passo, mesmo que seja um passo errado. E que este passo seja deveras incorreto ou impensado, mas tampouco o problema aumenta, ou igualmente diminui. Talvez acabe, aqui onde vivemos. Depois, quem sabe quais são os problemas...

- II -
O inverno chega chuvoso e por quatro dias faz frio. O cheiro de dois anos passados arranca memórias jamais esquecidas.

Ele agora se encontrou e se encontra numa estrada. Está nu e sente prazer nisso, não sabia que gostava de se exibir. O céu está nublado, de um lado há um grande campo, de trigo talvez, e de outro uma fileira de árvores sempre verdes. Ele continua a andar e o céu continua a ficar negro, seus olhos cerrando-se cada vez mais para ele.

Cobre seu corpo um tecido qualquer, tecido leve que fica a roçar seu corpo, ao comando dos ventos fortíssimos, delicadamente.

Ao que chega à porteira de uma fazenda qualquer. Ainda nu, entra e segue descalço a estrada de cascalho rodeada também por árvores que sombreiam ainda mais o momento. Alcança uma casa antiga, de portas e janelas azuis, todas caindo aos pedaços, assim como as mulheres que lá dentro estão. Uma delas chora sentada ao chão, mas ele simplesmente ignora isso.


Agora tudo acabou. Ou quase tudo acabou. E ele percebeu que os homens não foram feitos para serem todos os melhores. Apenas alguns deles tem toda a capacidade de se desenvolver. Mas ele insiste em ser tão bom quanto os outros, e a cada vez se aproxima daquilo que menos quer constatar. E, tolo, imbecil e insistente, tenta novamente. Só que cada vez mais a realidade lhe cospe a cara e lhe pisa a cabeça, afundando-o para o onde de onde ele veio, ou no onde ele quis ficar por muito tempo. E que só depois de muito que percebeu ter de sair dali desesperadamente, antes que a entropia o mantenha preso àquela posição.


A honra agora vale infinitamente menos que uma garrafa de vinho e a boca de uma mulher embriagada.

Tudo é fútil e vazio. Mas ninguém parece se preocupar com isso, somente aqueles que não o são. Sãos....


Ele agora anda por uma grande avenida, numa grande cidade, de um grande cinza, cinza dos prédios, das ruas, do céu, das pessoas, todas as pessoas estão e são cinzas. E para cada criança que ele olha, uma lágrima sai de seu coração e salta de seus olhos. Por que tudo é tão triste?


Pai, eu queria que as pessoas não fosse tristes....; Todos querem, minha filha.
Mas eu quero isso mais. Mais, papai... mais, papai...


Ele também quer isso. Ele também quer ser feliz. Para quê? Se fosse feliz, logo triste ficaria, pois todos estariam tristes. E novamente, a honra valeria tanto quanto um copo de vinho e a boca de uma mulher qualquer.


Vá se encontrar. Vá à merda. Vá para a puta que o pariu!

Não são frases sinônimas, talvez os indivíduos sejam sinônimos.

Ah! os indivíduos... os únicos que poderiam ser individuais não o são, ou o são na hora e quantidades incorretas. Ele é um desses. Então, de súbito, o sono volta, ele cai muito alto e desaparece.

- III -
Ele a cada momento ficava mais surdo do mundo. Tudo girava em torno dele, mas nunca para ele. Tudo acontecia e ele não. Não era modismo ou vontade consumista vazia dele, era necessidade social, pura e simples. Ele chora num canto do mundo. Não há mais alguém que possa ajudar. Ele também parece não querer ou confiar nos seres da mesma espécie. Um dia todo se passa e ele não quer voltar para casa, mesmo com fome, frio, sono. Enquanto não tiver casa, não tem mundo e não há o que fazer.

O caminho agora desemboca numa praça de onde saem diversas estradas e trilhas, ruas e caminhos, todos indo para longe através de fogo, fumaça e medo e desespero, tristezas e não-alegrias, alegrias não inteiras.
Ele deixa de ver o mundo para ver as pálpebras.


Ele deixa de ver as pálpebras para ver o mundo. E o mundo que se apresenta diante dele não tem superfície, mas é igual ao mundo em que ele vive. Quase igual. Quase diferente.

Agora é noite, e na noite, pelo menos, ele gosta de estar. E gostando de estar à e na noite, ele novamente tem casa em casa. A lua toda no céu, e nada ao redor da lua. A lua é toda dela mesma, e agora é de todos. Pouco importa a lua. O chão é onde estamos, e isso inclui ele.

O caminho é longo; não, quase longo. E poderia ser mais, agora ele precisa de um longo caminho, ao seu lado há alguém com quem conversar e de onde tirar algo que possa ser depois devolvido a quem está lá fora. Quem está aqui dentro não tem mundo onde sofrer, onde se desiludir, onde, talvez, alguma felicidade se apresente. Seria realmente o mundo melhor que aqui? Lá temos a possível possibilidade da felicidade... possível possibilidade? O que é possível? É possível haver possibilidade ou é possível que não haja possibilidade, ou seja, fato consumado? Aqui temos a certeza da sempre tristeza. Lá o ruim pode acontecer enquanto esperamos o bem, e aqui o bem jamais vem. O bem aqui é quando o pior não existe, e quando o menos pior não chega a ser bom. E por não haver pior nem melhor, nada há. Há quando se compara com o mundo. Aí, no final, temos a felicidade rara, o mal comum, e o mal-não-mal sempre existente. Bem, temos então dois males sempre presentes, em diversos graus, e um bem que existe, mas será que sempre ocorre ou é só uma ilusão?

A felicidade pode estar na boca mais próxima,
qualquer que seja ela. Um pouco do doce pode ser dado, mas nunca pode saciar alguém. E essa boca não sabe o que quer.


As pálpebras mostram o mundo. Há nele uma cama, uma maquina de escrever e um quarto solitário e quente. Ele gosta de quartos frios.

- IV -
Fez-se a noite fria como todas as outras.


O mundo foi feito por Deus para que os homens ruins possam aprender a ser bons homens. Para os bons homens, o mundo é tormento. Para os homens bons, resta apenas fugir do mundo dos outros homens, mas não a fuga covarde. E é teima dos homens bons deixar prole, pois esses também terão vida infeliz no meio das tantas aberrações. Mas, pensando melhor, todos os homens são maus.

E para ele também o mundo não é seu lugar. E a fuga se aproxima, já não é mais hora de pensar constantemente nos outros, sequer na mãe que sempre irá sofrer.

Não há nele raízes para esse mundo. Os homens comuns são plantas, ele se descobriu animal errante, em busca de comida e sexo. E mesmo a comida e mesmo o sexo já deixam desimportâncias para ele.


Agora, cada vez mais, o passar dos dias já não faz mais sentido. Tanto fez, tanto faz ser hoje, ontem ou amanhã. As expectativas são sempre as mesmas. O futuro mais distante é que sempre parece ser o melhor

- V -
Mas então, um pouco de sol surge. Deve-se confiar? O desespero diz, implora que sim, que pelo amor de Deus, confie. A razão volta seus olhos para a mesma questão e também secunda: sim; há que se confiar no brilho do sol, posto que a vida acaba, e antes de acabar ela passa. Não existe motivo para esperar o momento certo, pois como já se viu, ele nunca acontece. Melhor, ele é sempre.

- VI -
A viagem fez-se necessária. A viagem ocorreu. Entretanto, os inúmeros campos desconhecidos não foram explorados, mas foram contemplados. E, ainda agora, a resultante disso não foi contabilizada, mas já arranha os corpos já feridos. E o sangue corre mais e mais, e escorre, e a dor é terrível. E ainda há mais dor. E ainda há mais e mais dor. Navalhas cortam profundamente a pele, a carne, os ossos, os nervos. Os nervos.
Agora ele sabe (ou finge saber) que a dor é necessária, e quanto maior e pior a dor, melhor será. Ele é resistente aos espinhos e ao capim afiado dos campos, estes já não o ferem mais.

Agora que a emigração acabou e que ele está de volta ao lar, percebe que o problema não foi levado e enterrado nos campos e nas serras verdes. O problema deu-lhe um abraço quando ele foi-se, e o problema não ficou feliz quando ele voltou.


As dores do passado já não fazem mais sentido. Agora, sofrer traz esperança.

D.I.D.S. – 2001–2003
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