Moro em uma casa inteligente. A luz pensa um bocado antes de acender. É como se dissesse: agora não, olha a economia. No verão, a conta aumenta cerca de 30%, você não quer diminuir as despesas? Realmente, com as dicas que ela me dá, tenho conseguido algum decréscimo no pagamento mensal.
A água fica toda de chove-não-molha antes de sair do chuveiro. E é do contra , a danada. Quando quero banho frio, ela já vem cantando: pode vir quente que eu estou fervendo... Às vezes, ela se recusa a sair das torneiras, somente para compensar a quantidade de água que entra em casa devido à s goteiras.
A porta de meu quarto faz imitação do ruído de um trombone. Na porta do banheiro, ouço o solo de violino. Quando quero ouvir uma orquestra sinfónica, o que faço? Vou abrindo e fechando todas as portas - cada uma delas imita o som de um instrumento - e o resultado é uma bela melodia. Empolgado, com duas tampas de panela faço acompanhamento de bateria. Enquanto isso, as paredes dançam graciosamente quando passa algum caminhão pela rua. É um espetáculo digno de ver.
Quando desejo abrir uma gaveta, ela me encara desafiadora e exclama: estou contigo e não abro. Se tivesse braço, certamente permaneceria de braços cruzados até que eu desistisse de querer abri-la.
Os quadros na parede são uns cínicos. Cada vez que alguém fala uma besteira, eles simplesmente caem no chão, desabam com um barulho de vidro, o que é de estranhar pois só possuem a moldura. É sua maneira de mostrar que estão morrendo, isto é, caindo de tanto rir. Como você já deve imaginar, ninguém vence de tanto juntar quadros do chão.
A geladeira recusa-se a trabalhar quando está vazia. Fica ali silenciosa como se estivesse fazendo greve do silêncio (não seria greve da fome?) É por isso que permanece parada metade do ano.
O único objeto da casa que não têm inteligência é o computador. Esse é burrinho que dói: se você não lhe disser o que fazer, e ainda assim com todas as letras no lugar, pode esquecer.